Portugal tem estado no topo mundial das mortes e do número de novos casos por milhão de habitantes, sendo notícia, pelos piores motivos, na imprensa internacional.

A mortalidade no mês de Janeiro atingiu níveis nunca registados desde 1918, ou seja, desde a grande pandemia da “gripe espanhola” (como é reportado por um semanário de referência com base nos registos históricos do INE).

Uma grande parte das unidades hospitalares do SNS está em situação de ruptura e incapaz de dar resposta adequada às pessoas infectadas com o vírus e de prestar os cuidados indispensáveis aos doentes não Covid (o que agrava a mortalidade,  já de si muito elevada devido à pandemia).

E esta situação não é, ainda, mais  dramática, devido à abnegação e ao esforçado trabalho dos profissionais de saúde.

O Governo, embora admitindo alguns erros, sobretudo de comunicação, tem rejeitado que a sua (não) acção  tenha sido a principal causa desta gravíssima situação, apontando às consequências inesperadas de uma nova variante do vírus e, ainda que de uma forma dissimulada, ao comportamento da população.

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Quanto ao vírus, a realidade é que a existência desta nova variante em Portugal era já conhecida, pelo menos desde meados de Dezembro, e outros países europeus também a tiveram sem as consequências dramáticas que se registam em Portugal.

O comportamento da população é, de facto, um factor fundamental, mas é moldado pela percepção que as pessoas têm do risco em que incorrem e pelas decisões tomadas pelo Governo no combate à pandemia.

No primeiro confinamento, em Março de 2020, foi o comportamento da população, fundamentado no medo perante uma situação nova e grave, o elemento decisivo para evitar o colapso do SNS (a par do abandono dos doentes não Covid) e não a actuação do Governo, que mostrou até alguma resistência em determinar essa medida, o que não o impediu de tentar propalar a ideia de que tinha havido “um milagre português”.

À medida que a pandemia passou a fazer parte da vida das pessoas, com um certo abrandamento de Abril a Novembro de 2020, o comportamento da população perante o risco modificou-se e, neste contexto, a actuação do Governo teria que ser o factor crítico e determinante do combate ao vírus.

Ê evidente que o comportamento individual, que interiorize o risco e aja de forma responsável, é um factor fundamental, como referi, mas pode ser influenciado e determinado pelas restrições que o Governo impõe.

Este aspecto da influência e também de actuação do Governo ficou bem ilustrado  pelos impactos dos erros cometidos no combate à pandemia quando, por exemplo, autorizou espectáculos e outros eventos públicos ao mesmo tempo que vigoravam restrições severas às famílias (nos funerais, nos casamentos, nas práticas religiosas, etc.), dando sinais contraditórios que influenciaram negativamente o comportamento individual.

O que se passou no país, fundamentalmente desde o desconfinamento, em Maio de 2020, foi uma falta de estratégia, de planeamento e de organização e gestão da crise e esta situação agravou-se com a incapacidade do Governo em tomar medidas impopulares, mas eficazes, no Natal de 2020 – como outros países europeus o fizeram -, por razões políticas, de popularidade, afastando o princípio de cautela face à possibilidade forte (porque já conhecida desde meados de Dezembro) de um impacto grave de uma nova variante do vírus.

O Primeiro-Ministro, quando questionado numa entrevista sobre a causa desta situação gravíssima, veio invocar, como justificação, a confluência dos efeitos da nova variante do vírus com as medidas tomadas no Natal e veio apontar, também, que não tinha ouvido críticas quanto à natureza das medidas tomadas.

Se o Primeiro-Ministro se quer referir, como parece óbvio, principalmente aos partidos de oposição, é preciso afirmar que o Governo é eleito para tomar as decisões que entenda serem as mais eficazes e apropriadas para o país, neste caso para o combate à pandemia, e o facto de não ter ouvido críticas, como diz, não o isenta de responsabilidades pelos erros e consequências graves das suas decisões, nem lhe permite também tentar, ainda que implicitamente, partilhar responsabilidades e a consequência desses seus erros com os partidos da oposição perante a opinião pública.

Convenhamos, até, que nesta matéria, o Governo tem, de facto, beneficiado do apoio e da ausência de críticas substantivas por parte dos partidos de extrema-esquerda, quanto à falta de estratégia, de organização e gestão no combate à pandemia.

Para além desta atitude, estes partidos, devido aos seus preconceitos ideológicos que partilham com o Governo, têm tido uma actuação de combate ao recurso às unidades de saúde do setor privado e social, apoiando a resistência do Governo, durante meses, nesse sentido, o que teve como efeito impedir os doentes Covid e os não Covid de terem uma resposta de tratamento, agravando os efeitos da pandemia e contribuindo para a elevada  mortalidade.

Face à situação grave e dramática que vivemos, não deixa de fazer sentido colocar algumas interrogações: se estivesse no poder um Governo de direita ou de centro-direita, que críticas ferozes da extrema-esquerda não teriam já sido feitas ? E na comunicação social não teria existido já uma multiplicidade de comunicados, de artigos, de comentários, de declarações contra o Governo, denunciando a situação de catástrofe ?

O Governo, face a críticas certeiras que lhe têm sido feitas, tem reagido como se não fosse legítimo fazê-lo porque estamos perante uma crise nacional em que todos teremos de ajudar para a ultrapassar.

Vão nesse sentido as declarações de considerar que é “criminoso” criticar a falta de planeamento do Governo no combate à crise (que é óbvia e patente) ou de afirmar que são um atentado contra o país as declarações de responsáveis políticos da oposição à imprensa internacional.

É sempre legítimo criticar um Governo, mesmo em condições excepcionais como esta em que vivemos, o que, aliás, observamos em muitos países democráticos.

As críticas a fazer não podem é estar balizadas como se existissem apenas dois extremos: ou, por um lado, é antipatriótico criticar o Governo porque atinge a unidade nacional face ao perigo da pandemia, ou, por outro, as críticas são o resultado da “politiquice”, de interesses partidários e não nacionais.

Entre estes dois extremos, é evidente que há um largo espaço para as críticas fundadas, alicerçadas em factos observáveis, que são, aliás, indispensáveis para que o combate à pandemia seja rápido e eficaz.