Portugal tem um sistema educativo centralizado, burocrático e alheio ao mérito. Não estou a partilhar uma novidade com quem esteja minimamente atento, bem sei. Mas, como há demasiada gente que prefere olhar para o lado, há dias em que urge gritá-lo bem alto, repeti-lo incessantemente, marcar posição e rejeitar que essa convivência com a mediania se converta em hábito e, muito menos, se torne na opção confortável para os decisores políticos — deixar tudo como está para evitar ondas. Não há volta a dar: quem prescinde da ambição de melhorar a vida de tantos miúdos que precisam da escola para superar os obstáculos da vida, em detrimento do conforto do status quo, torna-se parte do problema.
Não há melhor exemplo dessa burocracia alheada do mérito do que o enquadramento dado aos professores: seja no recrutamento, seja na progressão de carreira, seja na remuneração, os incentivos das carreiras dos professores estão pervertidos. O sistema é cego para se se é bom professor ou mau professor — não se progride mais depressa por isso, não se ganha mais dinheiro por isso, não se obtém uma colocação mais concorrida por isso. É praticamente indiferente ser-se bom ou mau professor. Excepto para os alunos: para os miúdos, a qualidade do desempenho do professor que têm na sua sala faz uma diferença imensa.
Num estudo publicado ontem pela Edulog, no qual investigadores da NOVA SBE avaliaram os resultados dos 2º e 3º ciclos do básico e do ensino secundário entre 2007/2008 e 2017/2018, calculou-se o valor acrescentado pelo professor (VAP) nas disciplinas de Português e Matemática, organizando os professores em percentis. E, depois, estimou-se o que seria se os professores com piores desempenhos fossem substituídos por professores com bons desempenhos. Por exemplo, em Matemática no ensino secundário, se todos os professores do percentil 10 (os com menor valor acrescentado) tivessem o impacto dos do percentil 90 (os com maior valor acrescentado), a percentagem de notas negativas cairia em flecha: de 70% para 23%. Se fosse no 3º ciclo do ensino básico, a percentagem de negativas passaria de 63% para 22%. Outro exemplo, agora em Português. No ensino secundário, a percentagem de alunos com negativas passaria de 63% para 18%, enquanto no 3º ciclo do ensino básico a percentagem de notas negativas baixaria de 48% para 10%. Ou seja, duas conclusões. Primeiro, o desempenho dos professores importa, e muito, para o sucesso escolar dos alunos. Segundo, existe um enorme potencial de melhoria através dos professores — com mais apoio, sim, mas também com melhores políticas de formação e de recrutamento.
Olhando para estes dados, só os mais cínicos poderão alegar surpresa. Certo, não tínhamos estas valiosas métricas para analisar, nem valores para comparar as ordens de grandeza do impacto dos professores. Mas tínhamos evidências vividas ou testemunhadas. E, no dia a dia das escolas, qualquer director sabe quais são os seus professores que puxam o nível para cima e aqueles que se acomodam nos mínimos. Afinal, é assim em todo o lado: qualquer área tem bons e maus profissionais. O que não se encontra em todas as áreas é um sistema que trate bons e maus por igual, ignorando as diferenças que tanto importam. Essa conivência representa um fracasso do sistema educativo e um dos maiores obstáculos à missão das escolas públicas.
Acredito firmemente na força das reformas e no papel dos equilíbrios para a consolidação das políticas públicas. Mas há momentos onde as reformas mais necessárias têm de ser implementadas contra o sistema — contra o status quo, contra os interesses corporativos, contra os instalados. Ora, a Educação está capturada por interesses corporativos, que bloqueiam reformas, impedem a sua modernização e condenam milhares de crianças a não atingir o seu potencial. Em algumas das suas áreas, como a dos professores, precisa de uma revolução — para maior autonomia na contratação e maior exigência na formação e recrutamento. Até quando é que, nos partidos políticos, o medo dessas corporações se irá sobrepor ao dever de exigir mais e melhor para as nossas crianças?