A atividade agrícola exige uma atenção constante e um trabalho incessante.
É certo que a azáfama nos tempos atuais, nada tem a ver com o passado, sobretudo quando a agricultura não era mecanizada e quase tudo acontecia decorrente de força humana, ou dos animais, pura e dura.
Trabalhar na agricultura, sem os processos tecnológicos que hoje existem, além de ser pouco rentável, era uma tarefa muito penosa, que exigia esforço e muito sacrifício. A mão-de-obra humana era, pois, determinante. Ainda me lembro do tempo da apanha da azeitona, das batatas, das ceifas…das malhas, em que a entreajuda era essencial para levar por diante realização desses serviços/compromissos. Não obstante a sua dureza, também tinham a sua beleza e o seu encanto, desde o nascer do dia, quando tudo era vivido e sentido, com entusiasmo, convívio, energia e alegria!
Ganhava, pois, nos contextos comunitários rurais, sobretudo pobres e desfavorecidos, uma particular dimensão, a torna-jeira, nomeadamente quando os jornaleiros/jeireiros eram poucos, ou a economia familiar não suportava os custos inerentes à contratação da jorna dos mesmos. Aliás os jeireiros/jornaleiros trabalhavam quase sempre só para os mais abastados, ou seja para os casais considerados “ricos da terra”.
Trata-se de um tradição comunitária secular que, apesar da evolução tecnológica, ainda se mantém em uso, agora mais decorrente da falta de mão-de-obra rural.
É que, quando os trabalhos agrícolas apertam, é necessário realizá-los, e porque, cada vez mais, se assiste à falta de jornaleiros/jeireiros rurais, a torna-jeira, em uso desde os tempos imemoriais, parece voltar a ser uma prática corrente.
Para além de muitos outros atributos positivos, particularmente ao nível da economia familiar, a torna-jeira ganha singular importância nas terras mais desertificadas e pobres, quando favorece a interação e cooperação social, com especial relevância no domínio da participação ativa e criativa, na construção e manutenção da comunhão entre os seres humanos residentes na mesma comunidade. Comunhão esta, que promove a aproximação das pessoas e das famílias, reforçando a afetividade, os laços ancestrais de boa vizinhança, no trabalho e no lazer. Por outro lado, ao ser promovida a participação recíproca/bilateral, no labor e fora dele, também se promove uma salutar corrente de vida e entreajuda transversal.
Sem estes contactos humanos significativos, porque cheios de empenho e encanto, a vida nas nossas aldeias, onde a desertificação é mais acentuada, seria muito mais monótona, árida e vazia de sentido.
Embora se identifique, na sua essência, como contrapartida que não se paga com dinheiro, ao mesmo tempo que se evita a necessidade de recurso ao labor de estranhos, a torna-jeira, acaba por se tornar, também, promotora de diálogo e comunhão entre pessoas de diferentes gerações. Neste contexto é interessante ter ainda em conta a patilha de conhecimentos, experiências e géneros, de utensílios agrícolas e da força de trabalho dos animais domésticos, não se podendo menosprezar as não menos válidas componentes, gastronómicas, afetivas, culturais, ou lúdicas, que também favorecem o entendimento, a harmonia, a concórdia e a paz, tornando-se, até uma rede que protege a desintegração social, a partilha e o diálogo, sem submissão.
A torna-jeira faz com que a solidariedade ganhe uma força maior em diversos contextos da vida, no sentido de uma maior atenção, em relação ao vizinho, ao conterrâneo, na resolução de problemas pessoais, familiares e coletivos, num ambiente de proximidade, reconhecendo o valor de uma comunidade em toda a sua plenitude, respeitando-se a diversidade.
E se parecia que este tipo de colaboração e de auxílio de cooperação laboral entre vizinhos já parecia cair em desuso, os factos recentes demonstram que não é verdade.