Vivemos semanas curiosas. Agências de rating e organizações internacionais, através de relatórios e comentários, avisam-nos de que as coisas não vão bem em Portugal. Os investidores internacionais, através da alta dos juros, confirmam o alarme geral. Mas isto é fora de Portugal. Porque cá dentro, tirando o desmancha-prazeres que dá pelo nome de Passos Coelho, as oligarquias acham que tudo corre excelentemente. O presidente da república, sacrificado no papel de Dr. Pangloss do regime, descobriu até que o país está na “trajectória correcta”. Só lhe faltou revelar aos portugueses para onde leva essa trajectória.
Quando António Costa se juntou ao PCP e ao BE, ainda parecia haver uma orientação. A prioridade era obter crescimento económico através do consumo interno e do investimento público. Na Europa, Portugal ia integrar a aliança meridional contra o espartilho germânico. Era uma opção. Podia não ser a melhor, mas era uma opção. Só que não foi nada disso que se passou. Os partidos que menosprezavam a redução do défice, não falam agora de outra coisa. Os partidos que choravam pelo investimento público, cortaram-no agora até ao osso. Os partidos que protestavam contra o euro e o tratado orçamental, andam agora distraídos. Mas eis o que sucede: apesar de tão bom comportamento, os juros sobem. Sobem para todos? Mas as diferenças de Portugal em relação aos outros também aumentaram.
O problema é, precisamente, a “trajectória”. Portugal não arranca, apesar crédito e do petróleo baratos. A economia cresce menos do que em 2015 e a dívida aumenta a ritmos recordes para acomodar as reversões, como notou há tempos João César das Neves. É o que se pode esperar de uma sociedade envelhecida e descapitalizada? Mas se essa é a sociedade que temos, é prudente aumentar os compromissos do Estado, para depois ter de os compensar com mais impostos, cortes e cativações?
Este governo não é um caminho, mas um equívoco. É um governo que executa as políticas orçamentais do euro com o apoio parlamentar dos inimigos do euro. É um governo que enche a boca com o Estado social, ao mesmo tempo que o reduz a um mero Estado clientelar, castigando os contribuintes e sacrificando os serviços públicos para concentrar os recursos na remuneração de certos grupos de dependentes. É ainda um governo onde nunca há responsabilidades, e a quem as coisas acontecem. Vimos isso com os acordos da concertação social, celebrados sem qualquer garantia de poderem ser honrados. Vimos isso também no caso do estatuto dos administradores da CGD, em que o governo e o presidente nos querem fazer crer que António Domingues negociou as condições de excepção consigo próprio, à revelia do governo, porque não há assinatura do ministro. Esta é uma situação política em que a mão direita está mesmo empenhada em não saber o que faz a mão esquerda.
Não é um governo de esquerda, nem de direita: é um governo das oligarquias estabelecidas, batidas pela desmontagem financeira e judicial do antigo sistema. O dinheiro do BCE e o petróleo barato criaram-lhes uma folga. Estão a aproveitá-la para durar mais uns tempos. Para a gestão da agonia, engendraram este enorme buraco negro político, que já absorveu PS, PCP e BE, está a comprometer a presidência da república, e anda desesperado por engolir também o PSD, como suplente do PCP e do BE (daí o rancor a Passos Coelho).
Esta trajectória cínica de apodrecimento até poderá, com sorte, demorar. Mas os casos da TSU e da CGD são um sinal do que vai acontecer quando isto chegar ao fim: o país vai descobrir que as promessas não tinham garantias, e eles vão dizer-nos, como já é costume, que não assinaram nada.