Desde que Juan Guaidó se autoproclamou presidente interino da Venezuela, a opinião pública de vários estados tem pedido aos seus governantes que libertem o país. Mas é possível? Provavelmente não. No entanto, o papel dos estados terceiros pode ser muito importante num impasse que aglomera múltiplos atores internos e externos.

De um lado, Nicolás Maduro mantém-se de pedra e cal no seu posto de presidente fraudulentamente eleito em maio do ano passado. O sucessor de Hugo Chavez levou o país à ruína com o seu socialismo bolivariano, empurrado para o fundo pela baixa do preço do petróleo, e continuou a caminhada do Comandante na transferência dos poderes para a sua esfera de autoridade. Pelo meio, comprou a cúpula das forças militares que não só apoiam a sua continuidade, como têm conseguido controlar as mais baixas patentes. E, já se sabe, com o apoio das forças armadas será sempre difícil transformar seja o que for. Não só difícil como perigoso. A Venezuela não está livre de uma guerra civil. Mais a mais porque Maduro tem apoios internacionais de peso: a Turquia, a Rússia e a China, que parecem agir cada vez mais em triunvirato, quando toca a questões internacionais.

Já Juan Guaidó, eleito democraticamente pela Assembleia Nacional, uma das poucas instituições que ainda não é dominada por Maduro, autoproclamou-se presidente interino da Venezuela até que se levem a cabo eleições livres. Do seu lado tem a população nas ruas há muitos dias e o reconhecimento internacional dos Estados Unidos da América, da esmagadora maioria dos países da América Latina (com exceção dos suspeitos do costume, a Bolívia, o México, a Nicarágua) e muito recentemente do Parlamento Europeu – que fez a coisa certa, mas cuja posição é apenas simbólica, uma vez que a assembleia da Europa não tem poder político suficiente para impor a sua vontade. Washington congelou os bens da empresa petrolífera estatal nos Estados Unidos, a PDVSA, e tem sido inflexível relativamente à questão de que todas as possibilidade (leia-se meios militares, se necessário) estão em cima da mesa. Ainda ontem Michael Bolton, Conselheiro de Segurança Nacional, falou do destacamento de 5000 militares americanos para a fronteira entre a Venezuela e a Colômbia.

E a União Europeia? Depois de um tweet imediato de Donald Tusk a instar a Europa a apoiar as forças democráticas, começaram uma espécie de avanços e recuos. Finalmente, empurrados por Espanha, mas também pela França, Alemanha, Reino Unido e Portugal, a UE lançou um ultimato de oito dias a Nicolás Maduro para deixar o poder de livre vontade. Mas preferiram não reconhecer Guaidó, o que, do ponto de vista diplomático, faz uma grande diferença. Afinal, o autoproclamado presidente provisório tem tudo contra si, exceto o apoio internacional dos países vizinhos e de (algumas) democracias. E a posição europeia é fraca, se compararmos com as de outros estados, seja qual for o partido que tomaram.

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Compreende-se que a Europa, a passar por provações internas extremistas, com eleições para o Parlamento Europeu à porta, não queira pôr o pé em ramo verde. Pode pagar um preço alto, até porque não há garantias que a situação de tão grande tensão na Venezuela não possa mesmo degenerar numa guerra civil. E, deixem-me acrescentar, sempre fui muito cética relativamente a intromissões estrangeiras em conflitos e guerras dos outros, não por falta de compaixão humanitária, mas porque os dados indicam que quase sempre corre mal. Mas, neste caso, gostaria que a União Europeia tivesse tido uma posição mais enérgica. Por vários motivos.

Em primeiro lugar, há uma pequena janela de oportunidade para travar o drama humanitário que se desenrola na Venezuela – incluindo portugueses e lusodescendentes – criado por Nicolás Maduro e pela sua revolução bolivariana. É uma causa justa que ainda pode ser resolvida pacificamente.

Em segundo lugar, porque se trata de uma oportunidade – e, sejamos claros, não há muitas – de a União Europeia ter uma posição comum relativamente a uma questão de política externa. Com tantos constrangimentos, seria fundamental que os ainda 28 falassem a uma só voz. Mas assertivamente. Mais a mais, o facto de os três estados mais poderosos da UE, a Alemanha, a França e o Reino Unido, se entenderem numa questão de política desta natureza cria um precedente para manter uma relação robusta no que respeita à segurança do continente no pós-Brexit. Não é uma garantia, mas é um princípio.

Finalmente, desde que Donald Trump foi eleito, e por ter decidido abandonar o papel tradicional americano de ordenador internacional, são raríssimos os casos em que as democracias estão claramente, ainda que em graus de empenhamento diferente, do mesmo lado da barricada. Que me lembre, só aconteceu no caso Skripal. Trump pode ter razões estratégicas para reconhecer Guaidó, entre elas o facto de Maduro ser profundamente antiamericano e a Venezuela se ter tornado num foco de desestabilização regional. Mas tanto no caso russo como no venezuelano percebe-se que há linhas vermelhas que os estados democráticos não podem ignorar sob pena de perderem a sua identidade internacional. Um foi a  acumulação de quatro anos de intromissões russas em assuntos internos de outros estados (depois de invadir a  Crimeia violando todas as regras do direito internacional). Agora a outra é o apoio a um homem que quer fazer uma transição pacífica do autoritarismo para a democracia e conta apenas com os apoios internacionais e o apoio popular, e que está sujeito a uma investida do exército a qualquer momento.

É um risco a Europa ter uma posição mais assertiva relativamente à Venezuela? É. Mas é mais arriscado ainda ter uma posição demasiado tímida, que não convence ninguém.