Olaf Scholz, Emanuel Macron e Mario Dragui foram esta semana a Kiev, encontrar-se com Volodymyr Zelensky. Foram anunciar uma viragem nas suas políticas externas. O presidente que não queria humilhar Putin, e permitir que não perdesse a face, o Chanceler que se manteve silencioso a não ser sobre a mudança militar da Alemanha e os telefonemas ao líder russo, e o primeiro-ministro que apresentou na ONU um plano de paz que instava a Ucrânia a ceder território, disseram perante o mundo que aceitavam a Ucrânia como país-candidato à União Europeia.
A maioria dos analistas não sabia verdadeiramente o que esperar da visita. Não havia agenda pré-anunciada. Mas muitos afirmaram que apenas se trataria de uma diligência de solidariedade e apaziguamento. Não foi. E vejo três razões que, em conjunto, justificam o sucedido.
Em primeiro lugar, o discurso sobre a adesão da Ucrânia à União Europeia mudou consideravelmente. Desde o momento em que a Rússia invadiu Kiev, muitos começaram a dizer que se a entrada da NATO estava vedada – sob o risco de se começar uma guerra mundial – a UE teria de ser o mecanismo compensatório. Na Europa e na Ucrânia falava-se de uma fast track para permitir Kiev entrar de rompante na organização, apesar de outros países-candidatos, que esperam já há algum tempo. Houve momentos em que se falou deste tema como se disso dependesse a sobrevivência da Ucrânia.
Com o tempo, e de parte a parte, a retórica foi descendo de tom, o que criou as condições para se gerarem consensos. Caiu a ideia de deixar a Ucrânia entrar antes de outros, caiu a ideia de ter uma segunda Europa que incluísse todos os outros estados que nela quisessem participar. Esta mudança abriu caminho para a solução de aceitar a Ucrânia como país-candidato sem prometer caminhos curtos na adesão. Nada muda verdadeiramente a não ser o simbolismo de que a Europa está unida pela Ucrânia e contra a Rússia. E, nestas coisas da guerra, o simbolismo conta.
Em segundo lugar, apesar dos esforços diplomáticos, principalmente da França e da Alemanha, para manter o diálogo aberto com Putin, possivelmente caiu nos países europeus a sensação de que essa possibilidade se estava a esgotar. Por muito que conversassem, tudo indica que o Kremlin se terá mantido irredutível. Apesar dos muitos telefonemas, nunca se ouviu nenhum dos líderes falar de sucesso. Putin terá empurrado Macron e Scholz para uma defesa mais intransigente da Ucrânia.
Em terceiro lugar, os Estados Unidos terão tido um papel fundamental nesta viragem. Os europeus, por algum tempo, dependerão dos americanos para garantir a sua defesa. Terá sido muito difícil, especialmente com a aproximação da Cimeira de Madrid, onde se vai aprovar o novo Conceito Estratégico da NATO, que não tenha havido uma grande pressão de Washington sobre as capitais europeias reticentes. Pressão essa coadjuvada pelo Reino Unido, a Polónia e os bálticos, defensores da fação ucraniana desde o primeiro momento.
Em suma, os países “reticentes” foram ficando cada vez mais isolados. Acabaram por ceder por não haver outro caminho politicamente viável. Por isso, também é tão difícil perceber a posição do Governo português, sempre a favor de alargamentos no passado, independentemente do custo interno ou internacional.
A reconstrução e as garantias de segurança são mais importantes que o estatuto de candidato? São. E esperemos que não saiam, nem por um segundo, da agenda europeia. Mas o passo que a Europa e os estados europeus deram esta semana foi importante. Para a Ucrânia, porque precisava deste apoio político. Para si próprios, porque em tempo de guerra não pode faltar determinação. Que os próximos passos vão no mesmo sentido.