Esta semana seria para fazer um balanço do ano. Mas há um tema de Natal a que não quero deixar de fazer referência: a tentativa da comissária europeia para a Igualdade, Helena Dalli, de fazer passar um guia de cerca de 30 páginas a prescrever aquilo a que chamou “linguagem inclusiva”. Entre os temas que já são sobejamente conhecidos lá figurava a tentativa de retirar do discurso oficial vocabulário relacionado com o Natal. Felizmente, as críticas foram mais fortes e o guia foi retirado.

Podia ser assunto arrumado. Afinal acabou por imperar o bom senso, apesar da tentativa de introduzir nas instituições supranacionais as já tão populares regras da “igualdade radical” ou da “justiça social” como se chama agora à terceira vaga do pós-modernismo.

Como já escrevi noutros artigos publicados neste jornal, a questão central é que estamos perante uma ideologia altamente discriminatória, que não só predetermina quem são os “opressores” e os “oprimidos” – os bons e os maus –, como instrumentaliza temas verdadeiramente importantes que preocupam todos os seres humanos decentes para  justificar posições autoritárias perigosas. Os seus métodos vão do politicamente correto ao vandalismo, sempre com a mesma mensagem: reescrever o passado de forma a transformar o futuro. Não só a sua visão tem todas as características das utopias que fizeram muitas vítimas e trouxeram muita infelicidade, como o caminho para chegar à sociedade “perfeita” é do tentar inscrever no nosso pensamento comum um conjunto de regras de censura social e autocensura que vão corroendo lentamente o que somos coletivamente. Se deixássemos todos de referir o Natal no Natal e de celebrar o Natal no Natal para não ofender ninguém em que é que esta quadra se tornaria?

Este caso é particularmente relevante por três razões. A primeira é porque vem da Comissão Europeia. A Europa sempre gostou de ser modelo moral, coisa que não me agrada particularmente, mas fazia-o pelos valores que a mim – e só estou a falar por mim – são os valores certos: o estado de direito, a democracia, a liberdade e por aí adiante. Agora vem copiar a Cancel Culture que está a fazer estragos graves nos Estados Unidos, sem parecer aperceber-se, ou ignorando propositadamente, que esta igualdade radical choca de frente com um dos valores mais importantes do Ocidente: o pluralismo, sem o qual não há debate (e sem debate não há democracia que vive da discórdia e do consenso), e sem o qual não há liberdade.

Em segundo lugar, porque muitos dos meios de comunicação social que reportaram o incidente, correram a ouvir os extremos opostos: a direita inimiga da liberdade. O que vem com dois problemas: por um lado, os extremos alimentam-se mutuamente. O radicalismo de esquerda tenta impor, dá margem para o radicalismo de direita denunciar, o que legitima o radicalismo de esquerda a endurecer as suas posições e por aí adiante. Por outro, se há forças políticas e sociais que devem denunciar estes comportamentos impositivos da “justiça social” são os liberais, os conservadores, os moderados da direita à esquerda, que têm vindo a tentar, com mais ou menos sucesso, encontrar formas de minorar desigualdades sem desvirtuar diferenças. E este deve continuar a ser o caminho.

Finalmente, porque independentemente no grau de fé da cada um, o Natal é uma importante marca das nossas sociedades. Ninguém é obrigado a celebrá-lo e cada vez há mais formas diferentes da passar a quadra. E ainda bem. Mas nunca me tinha passado pela cabeça que desejar um bom Natal aos leitores pudesse ser uma coisa polémica. Mas este ano, para alguns, é. Ainda assim: Feliz Natal. E um ano de 2022 muito mais livre de pandemias e suas consequências e excessos ideológicos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR