Se o leitor achar estranho o título deste meu artigo, peço-lhe que faça uma rápida busca pela internet e facilmente encontrará, talvez com algum espanto, as afirmações do ministro da Cultura Pedro Adão e Silva no âmbito de uma audição parlamentar em sede de discussão na especialidade do Orçamento para a cultura.

Poupo-lhe no entanto o trabalho e passo a transcrever ipsis verbis o que o ministro afirmou: “Nós não podemos ter como ambição acabar com todos os vínculos precários na cultura, acho que isso não é desejável. Há profissões, há funções, que pela sua natureza têm que manter esta possibilidade de manter vínculos precários, a precariedade em muitas situações não é um mal absoluto”.

Um dos sectores mais afectados pelas crises, sejam elas quais forem, é sem dúvida alguma a cultura, que no final de 2019 correspondia a nível europeu a um volume de negócios de cerca de 643 mil milhões de euros e um valor acrescentado total de 253 mil milhões de euros. Estes valores representavam 4,4 % do PIB da União Europeia (UE) em termos de volume de negócios. Já em 2020, a economia cultural e criativa perdeu 31% das suas receitas.

Em Portugal, e segundo dados do INE, a cultura conseguiu, em 2019, um volume de 6,9 mil milhões de euros, representando 3,3% do nosso PIB, mobilizando cerca de 132.200 trabalhadores.

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Com a chegada da pandemia, o encerramento das salas, com o consequente cancelamento de inúmeros espectáculos, atirou muitos destes profissionais para uma crise sem precedentes e nunca antes sentida. Até ao fim, a cultura resistiu e foi resiliente. Está aí e não baixou os braços.

Discutir nos dias de hoje a importância do papel do sector da cultura na nossa economia é desnecessário. Não perceber a sua importância é não perceber nada de nada. Por essa razão será escusado analisar esse prisma.

Qualquer sociedade que dignifique as pessoas e o seu trabalho tem por princípio lutar contra a precariedade, até porque é este factor que leva ao abandono do país na procura de alguma segurança e de melhores condições pessoais.

As declarações do ministro da Cultura não devem passar pelos pingos da chuva e mostram, de forma inequívoca, o (des)respeito pelos milhares de profissionais no sector da cultura. Todos nós temos contas a pagar durante os doze meses do ano, creio que todos terão que comer todos os dias mais que uma vez e viver e não saber como será o dia de amanhã é indigno, é angustiante. No entanto, para o ministro da cultura, “não é um mal absoluto”.

Se olharmos para o relatório de outubro de 2021 A contribuição da cultura para o desenvolvimento económico na Ibero-Americana, da iniciativa da OEI e da Comissão Económica para a América Latina e o Caribe ( CEPAL), facilmente percebemos que a cultura tem impacto directo no desenvolvimento económico.

Olhar para a cultura em Portugal como ponto de partida para o seu crescimento é ter a visão certa, porque, de facto, os números provam isso mesmo.

Se assim é, respeitar a dignidade dos profissionais desta área é meio caminho para conseguir dar a este sector o salto necessário, mas o pensamento do ministro aponta para uma trajetória bem diferente da desejável, porque não trata o artista como um trabalhador e esse facto, por si só, não dignifica o profissional nem uma classe que merece como tantas outras o máximo respeito. Estamos a falar de trabalho e de dignidade humana, convém alertar.

Talvez Fernando Tordo aplauda ou concorde com Pedro Adão e Silva, mas a verdade é só esta: reconhecer o sector da cultura como alavanca para o desenvolvimento económico passa também por reconhecer que as pessoas que trabalham para nos darem momentos de reflexão e de vivência das mais variadas sensações tão necessárias à nossa sobrevivência como seres humanos, são trabalhadores como todos nós, que precisam como todos nós de estabilidade, de proteção social e de respeito.

Se a ideia é acabar com a cultura e fazer com os que os seus profissionais sejam considerados uma espécie de indigentes, como tem sido hábito até aqui, Pedro Adão e Silva está no bom caminho. Mas é importante relembrar que qualquer responsável político que não valoriza quem trabalha no sector que tutela não merece ocupar o lugar que lhe foi confiado.