Talvez ande ligeiramente distraído no que concerne aos temas que são levados a debate nos vários frente a frente a que temos assistido entre as forças políticas que se apresentam a eleições. Mas fico mais descansado porque sei que não sou o único. Também Ana Paula Laborinho, Diretora em Portugal da Organização de Estados Ibero-americanos no seu mais recente artigo de opinião no Diário de Noticias — do qual recomendo vivamente a leitura — parece, que tal como eu, anda distraída.

O tema “Cultura” parece esquecido dos debates revelando que a política portuguesa ainda está longe de perceber a importância do tema na contribuição para o desenvolvimento e crescimento da economia nacional. Ignorar a cultura como tem sido feito, é totalmente antidemocrático, porque uma verdadeira e forte democracia manifesta-se também pela arte.

É certo que o país tem questões de grande importância que carecem de discussão e resolução que são de facto mais prementes. Da saúde à educação , da justiça à habitação, a cultura não pode ficar de fora do debate público mas a verdade é que fica. Aliás, quem assistiu aos debates televisivos até à data, a questão da cultura apareceu num único e foi trazido pela voz de Rui Tavares no frente a frente com Paulo Raimundo.

Podem dizer, que o tema está inscrito nos vários programas eleitorais e só não o lê quem não quer. É um argumento verdadeiro e válido mas longe da realidade. É óbvio que “ ninguém” lê as vãs promessas eleitorais seja de quem for. Da minha parte, só leio as do Chega e do Bloco. Confesso,  é para me rir um bocadinho.

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Mas vamos a três simples factos que não podem ser ignorados quanto ao tema quando o país se depara com uma das mais importantes eleições.

Factos esses que poucos ou nenhuns políticos têm abordado como se um país pudesse não dar importância à sua vida cultural e que, diga-se, envolve milhares de profissionais que dependem directa e indiretamente do sector.

Facto 1: do relatório datado de Outubro de 2022 a edição da Conta Satélite da Cultura (CSC) tendo em conta o triénio 2018/2020, dá conta que das diversas actividades culturais, por cada 100 euros de Valor Acrescentado Bruto (VAB) gerados na economia portuguesa, 2,30€ provem das diversas áreas culturais.

Facto 2: A cultura gerou em 2018 um VAB próximo de 4,2 mil milhões de euros.

Facto 3 :O sector conseguiu atingir os 197,8 mil empregos – dados de 2022- contra os 187,7 mil postos de trabalho em 2021.

Por certo, mais razões haverá para debater a importância da cultura no crescimento da nossa economia, porém creio que as atrás apontadas parecem ser suficientes para se perceber que a cultura também deve ir a “jogo” como vai a saúde, a habitação ou os impostos. A verdade é que não é assim.

E a verdade, que por vezes pode ser dura, é esta; a política não dá valor algum ao sector cultural. E neste campo há uma discussão a fazer fora do debate anual em sede de Orçamento do Estado .

Há que debater se o modelo e os montantes que cabem à televisão e à rádio pública estão ou não alinhados com as necessidades do sector, e se faz sentido, do ponto de vista Constitucional, o Estado ser detentor de meios de comunicação que absorvem grande parte do Orçamento Cultural. Na verdade quem consume – ou come, como preferirem – grande parte do orçamento da cultura é a RTP e a RDP. Diz o Estado, pela mão da Constituição da República Portuguesa no seu Artigo 38. nr. 5 ):  O Estado assegura a existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e de televisão. Para que assim seja, o assegurar do serviço público de rádio e de televisão o Orçamento para Cultura é a sua principal fonte.

Como não se debate propostas sobre a matéria, parece que nada disto é tema que importe, e quando assim é, é também a democracia que perde.

Se é verdade que um país pobre consume menos cultura, e que sabemos dos baixos salários e de tudo o que envolve a vida do cidadão ao redor de escolhas a fazer até porque o dinheiro não estica, o facto é que a cultura não vai ocupando no espaço público o merecido debate.

Por incrível que possa parecer, até à esquerda – acérrima defensora do tema em tempos idos – a bandeira das políticas culturais parece estar arrumada a um canto.

É evidente que primeiramente há que resolver as questões de fundo até porque são essas que necessitam de repostas urgentes e que verdadeiramente está ligada ao consumo de cultura pelos portugueses.

No entanto ao não se trazer à colação em plena campanha eleitoral o tema , o país fica ainda mais pobre continuando a dar sinais de desprezo a uma área essencial da vida do cidadão; como também fica por esclarecer quais as políticas culturais que cada um dos partidos políticos defende perante os milhares profissionais que dependem do sector cultural.

Parece que nesta área de responsabilidade direta do poder central está tudo bem.

Portugal, apesar da tímida evolução na dotação orçamental na área está longe de perceber o quão importante é para o crescimento económico do país adoptar políticas públicas de acesso à cultura mitigando assim grandes assimetrias culturais.

Como nunca se conseguiu levar a cultura a sério, os hábitos culturais não se desenvolvem. E como tudo nasce pela educação, poderemos questionar qual é a verdadeira importância que a escola pública dá ao consumo da cultura.

Que projectos culturais e que hábitos de consumo são desenvolvidos nas crianças no espaço público?

Todos saberemos o resultado da equação entre um projeto educativo associado a um projeto cultural.

As crianças vão ao teatro? E haverá salas de teatro nos seus concelhos, ou ainda é preciso ir a Lisboa ?

Como estão a ser tratados os alunos do ensino artístico?

Tantas questões haveria a debater fora do parlamento e fora contextos orçamentais.

Haverá certamente uma política a seguir e a política está a esquecer-se de a debater.

No fundo, seria importante perceber que a nossa sociedade também precisa de discutir o acesso à cultura e os seus problemas e que este tema é tão importante como tantos outros.

Como é visível, os partidos políticos não estão para ai virados talvez porque os profissionais que fazem a cultura avançar, dão poucos votos mas também eles fazem parte integrante do crescimento do país.

A cultura, a continuar a ser tratada tal como é hoje, é e sempre aquele parente pobre a quem se liga no Natal para parecer bem. No entanto nada mudará enquanto não se perceber que não há pior pobreza que a pobreza de espírito.