Desde o final de fevereiro, altura em que começou a invasão russa à Ucrânia, a sociedade civil mobilizou-se para participar ativamente no apoio à saída e ao acolhimento dos já milhões de ucranianos que abandonaram o país em fuga da guerra.
É um movimento impressionante que acompanha a comoção gerada pelas imagens de atrocidades causadas pelos russos que nos entram todos os dias em casa. Há comboios humanitários organizados por grupos de cidadãos. Há muita gente a abrir as portas de casa para acolher refugiados. Há empresas a abrir vagas de emprego para os muitos ucranianos que tiveram que abandonar a pátria de um dia para o outro, deixando familiares para trás e com filhos pequenos ao colo. Na sociedade portuguesa assume-se com naturalidade que é o mínimo que podemos fazer diante do flagelo da guerra que se abateu, novamente, sobre a Europa.
Os últimos meses provam mais uma vez que os portugueses são um povo generoso e com uma capacidade de acolhimento maior do que a nossa condição poderia prever. É de facto uma das nossa maiores e melhores qualidades. Há, no entanto, uma fragilidade que temos. A emoção e a comoção do momento sobrepõem-se aos sobressaltos passados. E assim falhamos nos compromissos já assumidos.
Ainda antes desta crise de refugiados da Ucrânia, poucos meses antes, recebemos com igual empenho mais de setecentos refugiados, na sua maioria mulheres e crianças, que abandonaram o Afeganistão na sequência da tomada do poder pelos talibãs. Nos últimos meses de 2021 acompanhámos todos com emoção a chegada destas pessoas ao nosso país e empenhámo-nos em garantir que estes refugiados iriam poder encontrar aqui condições para poderem refazer a sua vida. Etapa um: aprenderem português para que as crianças pudessem voltar a aprender nas escolas que as iriam acolher e os adultos pudessem encontrar trabalho.
Sucede que esta nova crise de refugiados deixou grande parte destes afegãos esquecidos. As aulas de português acabaram para muitos deles. Há crianças que ainda não foram à escola este ano e as oportunidades de trabalho não têm chegado a estes afegãos que, mais do que de subsídios e ajudas, querem uma oportunidade para recomeçar aqui uma vida digna para si e para as suas famílias.
Somos um povo generoso, acolhedor e, ao contrário de outros povos europeus, com uma grande capacidade de integração de pessoas de todas as proveniências. Provámo-lo no passado e continuamos a prová-lo sempre que abrimos as portas a quem por necessidade ou escolha decide vir para Portugal. Mas nestes tempos atribulados, em que a velocidade dos acontecimentos e das notícias nos fazem somar preocupações antigas a novas preocupações, não podemos cair no erro e na injustiça de esquecer os compromissos assumidos.
É muito importante o que estamos a fazer com os refugiados ucranianos que todos os dias chegam a Portugal. Mas isso não nos pode fazer esquecer os refugiados que já cá estão e que viveram e vivem aflições semelhantes. Isso é que é acolhimento: apoiar e integrar quem precisa independentemente de a sua situação ser notícia diária ou não. Estou certa de que os refugiados ucranianos serão os primeiros a subscrever tudo o que digo acima.
Em Portugal não há um problema de boa integração de povos de todas as proveniências. Nisto somos um excelente exemplo para toda a Europa. É muito importante que não percamos esta enorme qualidade distraídos com o ar dos tempos. Cuidar e integrar não depende da atualidade. É um compromisso para todos os dias, com todos os que cá estão.