O mundo é outro, depois da pandemia Covid-19 ter atingido globalmente o planeta. A economia desacelerou e com ela a urgência dos investimentos também.
Muito provavelmente, antes da Covid-19, Portugal perdia cerca de um milhão de turistas por ano devido à saturação do Aeroporto Humberto Delgado, apontou o Presidente da Confederação do Turismo em 2018. O regresso ao número de turistas na quantidade e com origem nos países antes do surto pandémico é agora uma ambição.
Mesmo que, a partir da presente data, se faça o que é necessário para restaurar a confiança em Portugal como destino turístico seguro junto de alguns países, como o Reino Unido, também estamos condicionados ao sucesso ao combate à Covid-19 nesses países. Dependemos de um contexto nacional e internacional para que o turismo volte a contribuir com mais de 14% do PIB, como antes. Mais difícil ainda, será estimar o horizonte do regresso aos 30 mil milhões de euros anuais gerados na nossa economia.
Ou seja, infelizmente, no atual momento, a necessidade de rapidez para a construção de um aeroporto complementar que retire a pressão ao aeroporto Humberto Delgado diminui.
Não significa, no entanto, que não exista essa necessidade. Significa antes que os fatores tempo e rapidez não concorrem da mesma forma, hoje, como concorriam antes do surto epidemiológico. Existe mais tempo para analisar a melhor solução que resolva a capacidade limitada do aeroporto Humberto Delgado.
É aqui que nasce a dúvida que terá que ser esclarecida. Com a janela temporal que existe atualmente, qual a melhor opção e modelo que o país precisa? Quer do ponto de vista económico, quer ambiental.
Devido à lentidão do Governo com este dossiê e a pandemia mundial, existem ainda questões por esclarecer. Sem prejuízo de muitas outras que poderiam ser aqui explanadas, elenco quatro pontos que merecem consideração na atual análise do projeto do aeroporto no Montijo.
1 O modelo económico
O modelo definido antes da Covid-19 tem quer ser validado no atual contexto. Considerar-se que um modelo económico em fevereiro (pré-pandemia) serve para fundamentar uma decisão ao dia de hoje, é o mesmo que ignorar uma das mudanças económicas mais abruptas de sempre.
Pode ser que o aeroporto do Montijo se mantenha como a melhor solução, mas essa decisão só pode ser alcançada após validar ambiental e economicamente esse investimento, no quadro económico atual.
Recuperar o crescimento não é o mesmo que potenciar o crescimento económico. Os efeitos económicos da Covid-19 podem levar, no melhor cenário, a uma recessão de 9,8% do PIB (previsões económicas da Comissão Europeia) e “apagar” mais de 3 anos de crescimento do PIB. Em particular, a retoma económica no setor do turismo está mais pressionada do que a maioria dos setores. Por essa mesma razão, precisamos dos investimentos certos para o país, em particular para o turismo.
2 As infraestruturas
A acompanhar a construção do aeroporto no Montijo estão investimentos que podem ajudar a concretizar infraestruturas essenciais para o desenvolvimento da península de Setúbal, que congrega nove concelhos.
A dimensão do investimento agrupa a expansão da capacidade aeroportuária em Lisboa, a construção do aeroporto no Montijo e as 160 medidas mitigadoras que a APA (Agência Portuguesa do Ambiente) definiu quando concedeu parecer favorável.
Contudo, o volume de investimentos previsto merece reflexão. Em fevereiro, o Ministro das Infraestruturas reconheceu que as acessibilidades previstas para o investimento no Montijo eram insuficientes face às necessidades. Significa que 1,15 mil milhões de euros até ao ano de 2028 (previstos no acordo com o Governo em 2019), mais 48 milhões, que acarretam as medidas da AP, não são suficientes.
É fundamental perceber quem vai colocar o dinheiro que falta, especialmente num contexto totalmente diferente face àquele em que foram definidos estes montantes.
A expansão do Aeroporto Humberto Delgado está amarrada à construção do aeroporto no Montijo. Não é claro que o projeto de construção do aeroporto tenha, até à data, as compensações que a região merece e que o país precisa. Mas o Ministro das Infraestruturas, reconhecendo a falha em fevereiro, silenciou-se durante o confinamento e congelou este processo.
3 O Partido Comunista Português e a TAP
Não é conhecida qualquer alteração na posição do PCP e, consequentemente, as Câmaras Municipais da Moita e Seixal continuam a dar parecer negativo ao aeroporto no Montijo. Até ao momento, o Governo manteve o assunto adormecido e não se conhece qualquer ação para desbloquear a situação.
Perante o “muro de Berlim” que o PCP ergueu no Seixal e na Moita, a ANA Aeroportos não apresentou um novo projeto que contenha as medidas ambientais mitigadoras avaliadas em 48 milhões de euros.
Mesmo num cenário em que o Governo corrija todos os erros de trajetória (incluindo o birdstrike), falta a TAP na equação, o principal utilizador do Aeroporto Humberto Delgado. Ainda que a TAP não utilize um futuro aeroporto no Montijo, os dois projetos estão “amarrados” no acordo assinado com a ANA – a expansão em Lisboa implica a construção no Montijo. O Governo não explicou como vai conseguir reestruturar a TAP para a dimensão de uma “TAPinha” com a ambição de faturar e trazer turistas como se fosse um “TAPão”. Quando, na prática, a estrutura societária definida pelo Governo foi a primeira falha de gestão pública do processo.
4 Qual a verdadeira vontade Governo?
A construção do aeroporto no Montijo é uma decisão que já devia estar tomada e com um projeto em execução. São incompreensíveis os obstáculos que o Governo criou pela má gestão deste processo.
Eventualmente, poderia ser ventilada a ideia de que o ministro Pedro Nuno Santos teve azar ao herdar dossiês mal geridos pelo seu antecessor. Na prática, o Governo do PS teve cinco anos de maioria parlamentar com BE, PCP e PEV. Existiu ambiente político para definir políticas estruturais. Foi opção da maioria parlamentar, apelidada de “gerigonça”, não definir essas soluções para o país.
A falta de ação política do Governo com este tema confunde-se com a linha vermelha traçada pelo PCP através da oposição das Câmaras Municipais da Moita e Seixal. Ou seja, é possível que a vontade do PCP e do PS sobre este tema seja a mesma. O PCP contra a construção e o PS sem vontade para construir.
Fazer campanha não é o mesmo que governar. É possível que o aeroporto no Montijo tenha servido para que o candidato Pedro Marques tenha feito campanha para as europeias e para que o PCP finja que faz política contra o PS.
É um truque que tem sido recorrente: o PCP tem que fingir que vai discordando, vota contra o Orçamento Suplementar para poder viabilizar o documento que verdadeiramente define a política para o país, o Orçamento de Estado. Até agora serviu a estes dois partidos, mas não serve Portugal.