Devemos reconhecer ao PS um talento único: faz o oposto do que diz, enganando pelo caminho a maioria dos portugueses. Todos nós estamos convencidos de que a Caixa Geral de Depósitos é um banco público e quem ousar defender a sua privatização é imediatamente acusado pelo PS, e pelos seus cúmplices de extrema esquerda, de sofrer do vírus do ‘neo-liberalismo’. Mas afinal, ao contrário do que dizem, os socialistas privatizaram o banco, mais precisamente entre 2005 e 2011. Leiam os livros de Helena Garrido (Quem Meteu a Mão na Caixa) e de Diogo Cavaleiro (Caixa Negra) e percebe-se como funcionou a privatização da CGD.

O ‘engenheiro’ José Sócrates, que por caso também era PM e líder do PS, era o acionista do banco. Sendo um acionista zeloso, nomeou pessoas de confiança para o Conselho de Administração do banco, alguns sem qualquer competência para o cargo, como o senhor Vara, por acaso militante do PS e amigo pessoal do PM. Obviamente, as decisões de crédito relevantes (os actos mais importantes de um banco) eram tomadas pelo pequeno grupo de acionistas e gestores. As decisões visavam, naturalmente, satisfazer os interesses privados desse pequeno grupo. Desde empréstimos a bancos amigos, como o BES, a empresas próximas do principal acionista, como o Grupo Lena, até projectos que servissem para propaganda política, como a fábrica Artlant em Sines.

Mas se a Caixa foi privatizada em relação ao processo de tomada de decisão e dos créditos, continuou a ser um banco público em termos de perdas e de dívidas. Sendo formalmente um banco público, os seus acionistas e gestores nunca se preocuparam com o tema central de um banco: o risco. Ao contrário dos bancos inteiramente privados, que tudo perdem se ignorarem o risco, os acionistas e gestores da Caixa sabiam que os impostos dos portugueses são um poço sem fundo. O mote da Caixa controlado pelo acionista PS era o seguinte: recursos para os amigos e camaradas e perdas para todos os portugueses. Um ‘empresário de sucesso’, de nome Joe Berardo, recebeu um empréstimo de 350 milhões de euros a uma taxa de juro de 0,7%. E mesmo assim este empresário de sucesso está falido e nunca poderá pagar o empréstimo. Serão os portugueses a pagar o dinheiro recebido por Berardo. Eis o capitalismo selvagem na sua versão socialista.

Os recursos ‘ilimitados’ da Caixa durante a fase do acionista Sócrates também desvirtuaram o funcionamento dos mercados em Portugal. Beneficiaram o Grupo Lena contra os seus concorrentes. Privilegiaram o BES contra outros bancos. E ajudaram alguns acionistas do BCP contra outros para provocar uma mudança radical no banco, de acordo com os interesses do acionista PS da Caixa. No mundo da geringonça, os portugueses nada deveriam saber sobre isto. Os portugueses têm o dever de pagar; não gozam do direito à informação. Por sorte, ainda há jornalistas independentes e capazes em Portugal.

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As esquerdas da geringonça temem que o conhecimento sobre os anos do desastre financeiro da Caixa leve a uma conclusão: a privatização (mas a verdadeira) será a única forma de evitar que os portugueses paguem pelos negócios e pelos prejuízos de um grupo de amigos e camaradas. A oposição das esquerdas à privatização da Caixa nada tem a ver com o suposto interesse público. Isso são as tretas que António Costa diz no Parlamento e que Francisco Louçã repete na televisão. A privatização da Caixa significaria, para as esquerdas, abdicar de recursos e de poder. E isso nunca farão. As esquerdas sabem muito bem que a manutenção da Caixa na esfera pública será a única maneira de a tratar como um banco ‘privado.’

O resultado do desastre financeiro da Caixa na era do acionista PS, entre 2005 e 2011, acabou numa privatização parcial imposta pela União Europeia em 2015. A recapitalização obedeceu às regras do mercado, para evitar uma ajuda de estado ilegal, com a imposição de remédios e de empréstimos obrigacionistas feitos por investidores privados. E tudo isto foi aprovado com os votos das extremas esquerdas.

A União Bancária europeia é neste momento o único obstáculo a que António Costa, como Sócrates no passado, ceda à tentação de se tornar também no maior acionista da Caixa. Para sorte dos contribuintes portugueses, o Banco de Portugal deixou de ser o supervisor final da Caixa. A supervisão que conta está agora em Frankfurt.

Uma palavra final sobre a privatização. Defendi sempre a privatização da Caixa por dois motivos. Em primeiro lugar, para impedir as ‘privatizações políticas’, como a que aconteceu entre 2005 e 2011. Em segundo lugar, porque num sector em que a quase totalidade dos bancos são privados, um banco público constitui uma ameaça à concorrência justa. No entanto, neste momento sou contra a privatização da Caixa por uma razão simples e poderosa. Seria mais um banco a ser comprado por capital chinês ou espanhol. Portugal precisa de pelo menos um banco nacional, e neste momento não há dinheiro português para comprar a Caixa.

Desde que Bruxelas e Frankfurt impeçam novos episódios de privatizações políticas, que acabam sempre na ruína, podemos viver muito bem com a Caixa pública. Não deixa de ser irónico que a União Europeia se tenha tornado na garantia de que a Caixa continue a ser um verdadeiro banco público, e não apenas um banco do Estado conquistado e controlado por interesses privados como foi entre 2005 e 2011.