Conhecem o caso de Artur Mesquita Guimarães, o homem de Famalicão que impediu os filhos de assistirem à disciplina de Cidadania e Desenvolvimento e com isso suscitou a fúria do ministério e a reprovação dos petizes? Eu também conheço, e ainda não vi uma opinião acerca do assunto com a qual concorde sem reservas. É claro que discordo da maioria de assanhados que acusa o sr. Artur de destruir o futuro dos filhos, e que no limite reclama a remoção destes da família. Diz-se que, acima de tudo, o crime do sr. Artur é ser um “intolerante” de “direita”. Já os assanhados são evidentemente de esquerda, virtude que os habilita a não tolerar nada, principalmente desvios à fé cega no Estado, e muito principalmente se o Estado está nas mãos do PS.

Por outro lado, julgo apressado o apoio incondicional de uma minoria à atitude do sr. Artur. O sr. Artur tem alguma razão ao defender que a disciplina em causa deveria ser facultativa, na presunção de que “a educação no sistema público não pode seguir nem impor diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas”. Porém, o sr. Artur esquece-se de um pormenor. Ao que consta, os filhos dele são óptimos alunos. É possível que sejam igualmente miúdos inteligentes. O que o faz acreditar que miúdos inteligentes engolirão com facilidade a cartilha de infantilidades embrulhada nos belos conceitos da “cidadania” e do “desenvolvimento”? O sr. Artur acha mesmo que um adolescente com dois neurónios levará a sério um professor de meia-idade que decida acrescentar novas letrinhas a LGBTQ@ÇX? O sr. Artur não confia no discernimento dos rapazes que educou? O sr. Artur não percebe o potencial humorístico e dialéctico de uma disciplina assim?

Ando há vinte anos desejoso de utilizar a expressão “Ai, se fossem meus filhos…” Lá vai, então: ai, se fossem meus filhos… Se fossem meus filhos, os pirralhos frequentariam às aulas de Cidadania e Desenvolvimento. E todos os dias eu aguardaria ansioso a descrição da matéria leccionada, a fim de jantar entre gargalhadas. É evidente que a escola não se deveria envolver, com parcialidade, em temas “filosóficos, estéticos, políticos, ideológicos ou religiosos” – e sexuais. Quando se envolve, e quando os alunos e os pais dos alunos possuem conhecimentos e noção do ridículo suficientes para desmontar aquilo, o resultado pode ser engraçadíssimo.

Estive duas horas a contemplar a “documentação” orientadora da Cidadania e Desenvolvimento. Com a disposição adequada (para a galhofa), vale a pena. Há tralha produzida pelo governo e tralha produzida pelas escolas. Não me dei ao trabalho de distingui-las. Aliás, as tralhas pareceram-me indistinguíveis. Todos os textos que espreitei são medonhos (ou, lá está, cómicos) na forma e no conteúdo.

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A forma é o que se convencionou designar por “eduquês”, leia-se o que acontece sempre que uma língua é violentamente atacada por rústicos com pretensões. Ele é as “aprendizagens”. Ele é a “mobilização de competências”. Ele é a “flexibilidade contextualizada”. Ele é o “elencar de conhecimentos”. Ele é a “integração de matrizes”. Ele é a “formação cidadã”. Ele é o “espaço potenciador”. Ele é as “áreas transversais e longitudinais”. Ele é a “transversalidade do currículo”. Ele é preciso ser bruto para achar que tamanho massacre é digerível por seres humanos.

Quanto ao conteúdo, não desmerece a forma. Os “domínios” (cof, cof) são a conversa fiada que se imagina, previamente condicionada à ortodoxia “correcta” que se imagina: Consumo (em excesso é mau), Desenvolvimento Sustentável (em excesso é bom), Direitos Humanos (contra o “discurso do ódio”),  Igualdade de Género (contra os “estereótipos”), Ambiente (atenção às “alterações climáticas”), Sexualidade (com ênfase, eu fique ceguinho, nos “afectos”), Interculturalidade (o que quer que isso seja), etc. A coisa está “ao nível” da indigência intelectual de um António Guterres, de dois “pivots” de noticiário ou de três Pequenas Gretas. No fundo, não é grave. É abusivo que indivíduos que não sabem português sonhem impingir semelhantes lérias a catraios. É caricato. É parolo. Mas não é grave – na circunstância, repito, de os alunos terem cabecinha e pais capazes de converter palermices no divertimento que as palermices pedem. Admito que crianças social e mentalmente permeáveis acabem por ceder às palermices e tomá-las por verdades universais. E qual é o problema? Os futuros militantes do PS e do BE não caem do céu.

Bem espremido, os grandes prejudicados desta história são os professores forçados a leccionar a disciplina, que em geral a recebem com o entusiasmo com que uma lesma recebe sal. A cargo do professor certo, a disciplina até pode ser útil. A lengalenga oficial informa que a Cidadania e Desenvolvimento visa “preparar os alunos para a vida, para serem cidadãos democráticos, participativos e humanistas”. Um docente esclarecido aproveitaria a deixa para notar a avalanche ditatorial, discriminatória e desumana que, além da pobreza garantida, o governo despejou em cima de nós a vago pretexto da Covid. É óbvio que o referido docente não iria longe. A questão é: quem, excepto filiados da “situação” e, desculpem a redundância, matarruanos comuns, vai longe neste país? Se os rapazes de Famalicão fossem meus filhos, ria-me com eles da nossa radical indigência durante mais dois ou três anos. E depois largava-os no aeroporto.