No dia em que assinalou o seu primeiro ano na liderança do CDS com uma entrevista de fundo ao Observador, Francisco Rodrigues dos Santos foi confrontado com um artigo muito crítico da autoria de Adolfo Mesquita Nunes (também publicado no Observador) apelando publicamente à substituição da direcção em nome da sobrevivência do partido. Mas, por muito que este tipo de disputas na praça pública sejam apetecíveis para a comunicação social, os problemas do CDS vão muito para além dos protagonistas e da disputa entre facções internas rivais.

Os resultados das presidenciais confirmaram aquilo que era já perceptível pelo menos desde o rescaldo das eleições europeias: à direita, no panorama político português, é claramente o Chega quem tem maior potencial de crescimento a curto prazo. Mais: os resultados de André Ventura nas presidenciais sugerem um caminho para uma implantação nacional do Chega que a Iniciativa Liberal ainda não tem e que o CDS deixou há vários anos de ter em consequência das opções estratégicas de Paulo Portas. No curto prazo, essa maior dispersão territorial até pode prejudicar a aritmética eleitoral do Chega para eleger deputados (comparativamente com uma IL muito mais concentrada nos grandes centros urbanos), mas os resultados das presidenciais sugerem que, se não implodir, pode estar aberto o caminho para o Chega substituir o CDS como principal referência à direita do PSD no sistema partidário nacional.

É certo que o CDS tem uma história e uma marca que nem Chega nem IL têm. Mas, com a afirmação nacional do Chega e o notável crescimento da IL nas principais cidades, o CDS arrisca-se a ficar espremido entre os dois novos partidos. O problema é também ideológico e programático: a sangria para o Chega de elementos mais à direita dificilmente será estancada e, independentemente do líder, não é provável que o CDS consiga ser mais atractivo para liberais do que a IL (basta pensar que se a IL não existisse alguns dos seus mais promissores jovens quadros – como Bernardo Blanco, Maria Castello Branco ou Ricardo Lima – integrariam hoje provavelmente o CDS).

O alinhamento do Chega com o grupo europeu ID (de Le Pen e Salvini) pode, é certo, deixar um (estreito) caminho alternativo em aberto na linha do grupo europeu ECR (European Conservatives and Reformists), que agrega entre os seus membros o Partido Conservador inglês, os espanhóis do Vox e os checos do ODS. Mas também neste aspecto o contexto é adverso: o Brexit coloca um ponto de interrogação sobre o futuro do ECR (já que os conservadores ingleses foram o principal elemento dinamizador do grupo) e o CDS sempre se mostrou muito mais sensível à possibilidade de usufruir dos recursos do PPE do que a considerações doutrinárias.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Chegados a este ponto, importa reconhecer que embora Francisco Rodrigues dos Santos não se tenha ainda conseguido afirmar, a crise do CDS tem origens muito anteriores a ele (e à própria Assunção Cristas). Pelas razões que tentei explicar aqui, a vida do CDS depois de Portas seria sempre muito complicada. É verdade que as sondagens que vão saindo são pouco animadoras para o CDS mas no único teste eleitoral até ao momento, nos Açores, o partido manteve o terceiro lugar e contribuiu para a formação de uma maioria que permitiu retirar o PS do poder.

Em qualquer caso, estando há apenas um ano à frente do partido, seria muito difícil compreender que não fosse permitido a Francisco Rodrigues dos Santos conduzir o CDS não só às eleições autárquicas mas também até às próximas eleições legislativas que deverão ser, essas sim, o teste fundamental para a sua liderança. O portismo sem Portas foi já testado com Assunção Cristas (conseguiu, recorde-se, 4,2% nas legislativas de 2019), tendo sido depois derrotado internamente na candidatura – competente, mas pouco mobilizadora – de João Almeida.

É justo reconhecer também que a tarefa de Francisco Rodrigues dos Santos encontra dificuldade acrescida pelo facto de quase todas as vozes do CDS com acesso regular aos media serem seus críticos internos. Aliás, mesmo António Lobo Xavier – que apoiou Rodrigues dos Santos contra João Almeida e foi um dos mais empenhados militantes em garantir que o CDS apoiava Marcelo Rebelo de Sousa – tem sido bastante crítico da actual liderança do CDS. Um panorama mediático agravado pela crescente concentração de Paulo Portas na abertura de espaço para uma potencial candidatura presidencial em 2026, esforço esse para o qual não é evidente que o CDS seja útil, podendo até a sobrevivência do partido ser vista mais como um incómodo potencialmente embaraçoso do que uma vantagem.

Mas, independentemente de quem controle o partido, não é certo que os dilemas do CDS no actual panorama político-partidário português sejam passíveis de resolução por via interna. É possível que a sobrevivência do CDS não dependa de quem prevalece nas disputas internas no partido mas sim da possibilidade de IL e/ou Chega colapsarem libertando espaço à direita. Se IL e Chega continuarem as suas (distintas) trajectórias de crescimento e afirmação, não é nada claro que haja futuro para o CDS.

André Azevedo Alves é professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa