Os comentários recebidos ao texto publicado pelo Observador levam-me a voltar a este tema. A mensagem que aí pretendi passar foi que a herança portuguesa em Macau se limita às ruinas de S. Paulo e algumas obras realizadas antes da transição, que o tempo se encarregará de fazer desaparecer. Nada de significativo parece ter ficado no que se refere a ideias e valores.

Em contraste, em Hong Kong parece ter ficado uma cultura de Liberdade e de Democracia que explica as manifestações com bandeiras britânicas que decorrem há mais de um mês naquele território. Se calhar também ficaram obras, mas isso é pouco relevante.

Curiosamente, ou talvez não, os comentários que recebi de Macau sobre o primeiro texto reforçaram esta minha convicção. A ênfase dos comentários que me enviaram foi sobre as excelentes obras feitas antes da transição e sobre o bom nível de vida em Macau, tudo herança da presença portuguesa.

Houve ainda argumentos sobre a presença portuguesa de cinco séculos numa concessão “amigável”, que seria mais honrosa do que a invasão dos ingleses no século XIX e que “forçou” o estabelecimento de Hong Kong.

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Tudo isto passa ao lado do essencial, o que me leva a concluir que é esse essencial que não é percebido em Macau. E é precisamente por não ser percebido que a minha convicção da fragilidade da herança portuguesa fica ainda mais reforçada.

A Democracia é um conjunto de regras constitucionalmente estabelecidas que permitem uma tomada de decisão participada e baseada em pessoas livres e autónomas. O “braço no ar” não é uma verdadeira Democracia, apesar de há algumas décadas nos quererem convencer do contrário.

Sendo um procedimento, a Democracia é essencial para a manutenção dos valores inalienáveis da “vida, liberdade e a busca da felicidade” de que beneficia todo o ser humano, conforme as palavras da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América. Mas o espírito democrático só perdura se existir uma forte convicção sobre a liberdade.

O que os manifestantes de Hong Kong temem é precisamente que estes valores inalienáveis e que esta interdependência entre Liberdade e Democracia desaparecem por de trás do “braço no ar”, designadamente a possibilidade de um julgamento justo e “limpo”, com base em regras de sociedade aberta com separação entre os poderes executivo e judicial.

O que mostra a experiência natural de Hong Kong e de Macau é a diferença entre 330 anos de construção lenta e gradual, mas consistente, de Liberdade e Democracia no Reino Unido, e 44 anos de experiência em Portugal em que o próprio conceito de Democracia ainda não está devidamente consolidado.

O texto reflecte apenas a opinião do autor