Ainda não vimos isso em Portugal — há que reconhecê-lo com alguma satisfação. Mas a tática é recorrente noutros países, como parte da estratégia política conducente à legalização da eutanásia e do suicídio assistido: a mediatização de um caso dramático ao serviço dessa estratégia.

O último exemplo vem de Itália. Fabiano Antonioni, mais conhecido por Dj Fabio, aos 39 anos, depois de desfrutar a vida de forma intensa, sofreu um acidente de moto que o deixou tetraplégico e cego. Quando considerou goradas as hipótese de melhorias, desistiu de viver e quis suicidar-se. A associação Luca Coscioni, que se bate pela legalização da eutanásia e do suicídio assistido, ligada ao Partido Radical italiano, encontrou aqui a oportunidade para, mais uma vez, lançar essa questão para o debate político. O seu dirigente Marco Cappato ofereceu-se para ajudar Fabiano a deslocar-se à Suíça, à famosa clínica Dignitas, onde, com cobertura legal, este se suicidou. Depois, de forma provocatória, Marco Cappato, auto-denunciou-se às autoridades de Itália, onde o auxílio ao suicídio é crime, não deixando de salientar que parte da sua conduta aí ocorreu e, portanto, a ela não deixará de ser aplicável a lei italiana. E, com isso, espera chamar a atenção para a suposta injustiça dessa lei, que obriga Fabiano a deslocar-se à Suíça para fazer o que mais deseja e o pune a ele, Marco Cappato, por um gesto compassivo de que se orgulha.

Choca esta instrumentalização política (mesmo que consentida) de um drama humano que mereceria outro respeito. Choca a deliberada e programada exposição mediática (uma verdadeira campanha) de um drama que mereceria outra reserva e outro pudor. Choca que quase se apresente e celebre um suicídio como uma vitória, quando ele é sempre um sinal de derrota, fracasso e profunda tristeza, para o próprio, para todos os que o rodeiam e para toda a sociedade.

Descobre-se melhor o alcance que para muitos tem a legalização da eutanásia. Não estamos perante um doença terminal, nem perante uma dor insuportável. Estamos perante o desespero de quem não se conforma com uma grave deficiência e perdeu o gosto de viver. Desespero que se compreende, mas que reclama outra resposta…

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No meio do turbilhão mediático e da paixão ideológica, esquece-se a repercussão que pode ter uma campanha como esta junto de quem sofre deficiências graves como aquela de que sofria Fabiano, e mesmo outras menos graves.

Quem sofre graves deficiências, e também quem devota e solidariamente lhes presta assistência e apoio, precisa de força, coragem e esperança. E é isso que a sociedade lhes deve proporcionar. Ora, a sociedade vem dizer-lhes exatamente o contrário: que a morte é solução para os seus problemas, que essas vidas não têm sentido e dignidade, que os seus esforços são vãos. Quem precisa de esperança e de ajuda para encontrar um sentido para a vida depara-se com a afirmação de que essa vida não tem sentido, de que não há motivos para ter esperança, de que se justifica o seu desespero, de que só a morte é solução para o seu drama.

É isso que resulta destas campanhas mediatizadas, mas que ainda com mais consistência resultará de uma lei que venha legalizar a eutanásia e o suicídio assistido. Será, então, o Estado, de uma forma constante, com toda a sua autoridade, com toda carga pedagógica (neste caso, anti-pedagógica) de uma lei, a afirmar que a vida das pessoas com grave deficiência perdeu dignidade e pode, por isso, ser intencionalmente suprimida. Compreende-se que muitas associações de defesa dos direitos de pessoas com deficiência se oponham vigorosamente a esse legalização. O que essas pessoas pedem à sociedade e ao Estado é que as ajudem a viver, não que as ajudem a morrer.

Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz