1 A falta de uma lei de quarentena que não precise de “estados de emergência” é agora, mais do que nunca, evidente. Cristalinamente. Acreditar em “isolamentos voluntários” foi uma asneira. Veja-se a situação de Portimão e dos que já morreram por terem sido contagiados a partir de quem voluntariamente não se isolou. Estão preocupados com as viagens na Páscoa? Não se incomodem. O êxodo para as casas de férias já foi. Não o evitaram quando o deviam ter feito.

Houve hesitação na política de controlo de entradas em Portugal e em toda a União Europeia (UE). Os voos de, e para, a China deveriam ter sido logo suspensos em dezembro. Quando o fizeram já era demasiado tarde. Talvez até tivesse sido demasiado tarde em novembro, mas a ditadura chinesa estava a abafar o inescapável. Agora, com a satisfação e complacência universal, a China é a grande benemérita que até vende testes que não funcionam.

2 O vírus, mesmo que corretamente chamado de SARS-Cov-2 é mesmo chinês, com origem na China, mutado na imundície dos mercados chineses. Não é epidemiologicamente inocente que as grandes epidemias surjam em zonas de grande concentração populacional e com fraco controlo de higiene pública. Logo, onde há mais gente, deveria existir mais esforço para controlar a salubridade e a dieta, coisa em que os Chineses não se têm esmerado e não será por falta de dinheiro. Vá lá, por uma vez o Presidente Trump tem razão. O vírus veio da China e não é racismo reconhecer uma evidência.

E há todos os outros com desigualdades tremendas, como a Índia e o Brasil, e os “pobres” de África onde as cleptocracias reinantes escravizam as populações, que não terão hipótese de se proteger convenientemente. O que se está a passar na Europa e EUA vai ser pior no resto do mundo. E ninguém dará por isso. Nesses países, onde se morre por tudo, não vai haver contabilidade de casos, nem se vão preocupar com que haja. Nem terão como tratar as pessoas. Vão desparecer sem que nunca tenham existido, como desaparecem todos os dias. Levados pela fome, violência, cólera, peste SIDA, ou malária. Simplesmente, levados.

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3 O cerco do Porto ficará para as antologias da má comunicação. Confesso que também tive de aprender, à minha custa, que com autarcas não se brinca. Eles não perdem pitada para brilhar. Estiveram todos mal. A DGS não poderia ter declarado ir estudar uma coisa que não sabia se era praticável. Não se anunciam estudos, a não ser quando não há mesmo mais nada para dizer. E, nesse caso, ainda é melhor estar calado. E o Senhor Presidente da CM do Porto não pode, NÃO PODE, dizer que não reconhece autoridade à senhora DGS. Ficou-lhe mal e nunca será demais lembrar-lhe que ele manda, se puder, no Porto, e a Senhora DGS pode mandar no País todo. Estavam os dois, estamos todos, muito cansados.

4 Já se percebeu que no tumulto da impreparação geral, não exclusivamente nacional, a DGS meteu os pés pelas mãos no que às máscaras diz respeito. A questão das máscaras e dos testes ilustra o que é normatizar em função do possível. A política de uso de máscaras e de testes seguiu a disponibilidade e não a necessidade. Nada de errado nisso. O que está errado é não o admitir. E bem pior tem sido aquela patética mensagem de que usar máscara agrava o risco de propagação. Ok. Digam então que as máscaras não se partilham e que têm de ser sempre usadas com a mesma face, a adequada, para dentro. Pois é. Para dizerem isso teriam de ter admitido que é importante usar máscaras. Que trapalhada.

Ainda não há equipamentos individuais de proteção em número e qualidade suficiente para todos os profissionais de saúde. A famosa “reserva estratégica nacional”, seja lá onde estiver, ao que tudo indica era uma intenção de comprar material e não uma existência física de material armazenado. Se esse material existia, não chegou logo aos hospitais e centros de saúde. Ainda não se dá por ele. Muitos de nós continuam a ver doentes com máscaras cirúrgicas de proteção insuficiente, sem viseiras e sem batas descartáveis. Ainda há locais onde não se exige a colocação obrigatória de máscara ao entrar no hospital ou centro de saúde, até porque as máscaras disponíveis não chegariam. O Estado foi demasiado lento a prevenir o açambarcamento de desinfetantes e máscaras. Deveriam ter evitado a corrida dos mascarilhas.

O que nos salva é a capacidade de improvisação dos “tugas”. É extraordinária. Chama-se desenrascanço. Ajuda, mas não resolve. Houve instituições a comprar fatos de pintor, de sulfatador e de outro tipo de proteção industrial. Francamente, é meritório, mas não deveria ter sido preciso. E note-se que dizer, como eu reconheço, que a impreparação era terreste e  geral não servirá de desculpa. Com é costume dizer-se, “com o mal dos outros posso eu bem”.

5 Quanto aos testes, confusão total. Também da OMS que, vendo bem, não é propriamente uma trupe de iluminados. Basta ver a incompetência como têm lidado com a China. Até o respeitabilíssimo Dr. Anthony Fauci, de créditos firmados, também não se tem eximido de uns disparates valentes. OK. Estamos todos a aprender.

Uma coisa é certa. Testar implica decidir o que fazer aos casos positivos. Certo? Logo, muita atenção aos lares de idosos onde, se não percebi mal, estão a esforçar-se por disseminar a doença para fora do lar em vez de confinar o risco. Vejam lá, não se venham a arrepender das evacuações em curso. Teste negativo num dia, não garante negatividade futura. Tirar os supostos negativos e levá-los para onde poderão propagar a infeção, obriga a medidas de proteção que não têm estado generalizadamente presentes. Mais importante do que andarem agora a testar teria sido garantir que o pessoal que entrava e saía estava equipado de forma a proteger os residentes. Os lares de idosos deveriam ter sido apetrechados com material de proteção para os funcionários, em janeiro, e não agora. Tal como o ideal seria testar no domícilio e não em drive-through. O problema é que a capacidade humana limitada está a obrigar-nos a manter uma estratégia de obrigar os potenciais infetados a deslocaram-se onde poderão ser testados.

6 Tão preocupados com os idosos, alguém se lembrou dos idosos da classe média urbana que não recebem apoios do Estado, não estão na alçada da segurança social – ainda bem – e que, agora, com as ordens de confinamento geral deixaram de ter quem vá trabalhar nas suas casas? Dr. Costa, o País não é só de pobres e institucionalizados. Os idosos que estão nas suas casas, não necessariamente abandonados, não devem ir para casa de familiares que os podem infetar. Mas, se os seus empregados deixam de lá poder ir, muitos por que têm de ficar em casa com os filhos, quem os substitui? É que, bem vê, trabalho doméstico não se substitui por teletrabalho, não há voluntários que se dediquem aos “ricos” reformados da classe média e as autarquias não estão organizadas para acudir a essas pessoas.

7 Não basta comprar ventiladores. Também vamos precisar de monitores de sinais vitais, bombas de perfusão, sistemas de soros, seringas, até de estetoscópios, de toda a parafernália que um hospital exige. É que tudo o que seja menos do que “completamente” não resolve as dificuldades. Há falta de aparelhos de TAC no SNS. Um doente público já espera demasiado por um exame de TAC ou de RNM. Com a COVID-19 há necessidade de realizar TAC com frequência. Logo, a utilização intensiva destes aparelhos fará com que outros doentes ainda fiquem mais prejudicados quanto à espera. Insisto que a COVID-19 acabará por matar mais doentes pelo efeito de atraso nos cuidados a doentes com outras patologias do que pela COVID-19 propriamente dita. E ninguém quer antecipar isto.

8 Para já, não é possível emitir certificados de imunidade. Só podemos saber quem teve contacto, não quem está imune. Mesmo os vacinados apenas podem ser declarados como vacinados e não como imunes. Seroconversão não é garantia de imunidade e, no caso do SARS-Cov-2, o desconhecimento é ainda grande. Discussão encerrada, por ora. Só depois de sabermos qual o título de anticorpos necessário para garantir imunidade e se há células memória em quantidade suficiente é que poderemos saber quem está, hipoteticamente, imune e por quanto tempo. Este vírus deverá ter um potencial de mutação muito elevado e, tal como com a gripe, poderá vir a ser necessário fazer vacinações anuais.

9 Muita atenção à forma como se classificam as causas de morte. Tem COVID-19 todo o indivíduo que esteja infetado com SARS-Cov-2, independentemente da clínica. É um critério discutível, mas sensato para efeitos de inventário. Logo, poder haver outra patologia mais significativa ou determinante para o evento fatal, não altera o facto de o doente ter COVID-19. Morreria de qualquer forma? Morreu porque a COVID-19 contribuiu para a morte ou a situação prévia agravou-se com a COVID-19? Sempre foi difícil atribuir causas de morte e o senso clínico prevalece na altura em que se preenche o certificado de óbito. Morrer infetado com SARS-Cov-2 (associação) não é o mesmo que morrer em consequência dessa infeção (causalidade). A importância da atribuição da causa de morte é enorme. Sem ela não se avalia a letalidade. Nada nos garante que todos os países estejam a registar as mortes da mesma maneira, nem que os critérios não estejam a ser mudados consoante as conveniências. Tem de haver transparência e normalização de critérios em todo o mundo.

O campeonato da suposta letalidade não tem interesse epidemiológico, quando não temos a certeza de que todos os doentes sejam registados – estou certo de que não e de que nem todos os casos positivos são seguramente registados – e as causas de morte nem sempre classificadas do mesmo modo. Não nos interessa estar a comparar números de infetados e mortos sem que haja padronização das populações. Como comparar números absolutos de uma população de dez milhões e outra de duzentos milhões ou de mil milhões? Este sítio pode ser útil para perceber as dificuldades nas comparações de dados. Logo, nesta fase, a letalidade que nos interessaria comparar seria, por exemplo, a letalidade entre doentes internados ou de doentes em cuidados intensivos. Será bom perceber se as indicações para internamento, o momento clínico do início da ventilação, a experiência acumulada, os medicamentos usados, etc., influem na mortalidade. Os dados que nos vão diariamente fornecendo não têm utilidade clínica. Poderão servir para acompanhar – não prever – a evolução da proporção de casos diários, o que é indiretamente indicativo da efetividade das medidas de prevenção, pese embora a subidentificação que é inevitável. As séries curtas são curtas e não há como alongá-las, a não ser esperando. Precisamos de tempo. A boa epidemiologia vive de muitos casos, de tempos longos, de localizações precisas, de revisão dos casos, de relações entre factos.

10 Há perguntas fascinantes. Um exemplo. A COVID-19 na Alemanha terá menos mortalidade por haver mais ventiladores? Dizer que há menos mortos na Alemanha por terem mais ventiladores só fará sentido quando a mortalidade associada a ventilação na Alemanha for menor do que noutros países. Nem sabemos se os alemães têm uma proporção de doentes ventilados maior do que em outros países. E os cálculos complicam-se quando há -ainda bem- doentes a serem deslocados para onde haja capacidade de os tratar, mesmo que seja noutro País. A mortalidade associada a ventilação invasiva está, nas publicações já disponíveis, entre os 80 a 90% dos primeiros tempos de epidemia aos 40 a 60% mais atuais. Na Alemanha será diferente? Todos os países irão precisar de informação do tipo da que está neste relatório produzido no Reino Unido em permanente atualização. Só com informação mais precisa e específica da COVID-19 poder-se-á decidir quem deve ser sujeito a intervenções mais intensivas.

Para a covidolítica sanitária, o que nos vai interessar será o excesso de mortalidade global e é isso que deverá ser, em primeiro lugar, comparado entre países. Há tanto para aprender. Outros exemplos. Qual o papel de um bom comando central no controlo desta pandemia? Países com sistemas muito descentralizados terão pior desempenho do que sistemas de saúde mais centralizados? Países com sistemas de saúde escorados em serviços exclusivamente públicos passarão melhor do que sistemas baseados em seguros? Qual o impacto da ausência de serviço público de saúde? Etc.

E depois há tantos que continuam a falar, de comentadores a sabe-se lá quem, cada um no seu écran, para dizerem de tudo sobre o que nem têm raspas de perceber. Para citar uma frase atribuída a Richard Feynman, “I learned very early the difference between knowing the name of something and knowing something.” Escondam-se. Sempre evitavam o espetáculo triste de continuarem a tossir para as mãos e chamarem o COVID quando se referem ao SARS-Cov-2. É A COVID-19 e não se esqueçam que não são OS diabetes. Ao menos isso.