Os “amigos” do Syriza em Portugal e o Público decidiram desvalorizar a aliança entre o Syriza e a extrema-direita. O que não deixa de ser estranho visto que são normalmente muito sensíveis à possibilidade da extrema-direita chegar ao poder nos países europeus. Justificam a desvalorização com a seguinte “narrativa”: a Grécia tem um governo de “salvação nacional” para libertar o país da “ditadura financeira” imposta pela Alemanha. Vale a pena “desconstruir” esta “narrativa”.
Em primeiro lugar, é politicamente conveniente contrapor a poderosa e rica Alemanha à fraca e pobre Grécia. De uma penada, colocam a História do seu lado e conquistam o apoio popular, num país onde a maioria não tem grande simpatia pelos ricos e poderosos. Podemos, no entanto, substituir a Alemanha pela Finlândia. Um país pequeno, com metade da população da Grécia, e que não pode ser acusado de alguma vez ter invadido outro país ou ter provocado alguma guerra. Pelo contrário, foi invadido mais do que uma vez e por mais do que um país. Ora, em relação à dívida grega, a maioria dos finlandeses pensa exactamente como a maioria dos alemães. Tal como a maioria dos holandeses, dos eslovacos e as maiorias dos países Bálticos, todos eles na zona Euro. Talvez, o problema não seja a “hegemonia alemã”. A União Europeia é um pouco mais do que a Alemanha. E nem sequer se poderá dizer que é um problema de governos de direita. Quer na Finlândia, como na Alemanha, os “PS’s” locais estão no poder. Vejam o que disse o líder do SPD alemão e vice-chanceler do governo a propósito das propostas do governo grego. Entre o SPD e o Syriza, onde se situa o PS?
O problema não é entre a Grécia e a Alemanha, mas sim entre o governo grego e a maioria dos países da zona Euro, grandes, médios e pequenos, governados pela direita e pela esquerda.
Vamos agora à questão da aliança com a extrema-direita. Para os “amigos do Syriza”, a excepcionalidade da situação grega justifica a coligação entre o Syriza e a extrema-direita. Este assomo de “pragmatismo” vem de pessoas que passaram os últimos três anos a atacar o governo português de ser o “governo mais à direita desde o 25 de Abril.” Pragmáticos na Grécia, ideológicos em Portugal.
Mas a aliança dos extremos na Grécia é muito mais do que pragmatismo político. Esse é o ponto central e mais preocupante de todos. A radicalização da esquerda em Portugal, incluindo de muitos no PS, tira-lhes a lucidez para entender um ponto central na Europa de hoje. O conflito político crucial não é entre a esquerda e a direita, mas entre as forças políticas radicais e nacionalistas e os partidos liberais-democráticos. A coligação entre o Syriza e os Independentes Gregos é a versão mais recente da aliança entre o “ódio nacionalista” e o “ódio de classe” contra o internacionalismo, o liberalismo e a economia de mercado. Esta será a fractura decisiva da política europeia dos próximos anos. E para quem coloca a política acima da economia, como os liberais, será mesmo mais importante do que o problema das dívidas (apesar de os dois estarem ligados).
A aliança dos ódios na Grécia contra a Europa liberal, internacionalista e capitalista revelou-se no apoio dado à Rússia. Há um governo no interior da União Europeia abertamente a favor do regime de Putin, o qual constitui a maior ameaça política à Europa, e também ele assente no ódio nacionalista. O mesmo governo que pede solidariedade à União Europeia desrespeita qualquer tipo de solidariedade em relação à Finlândia, às repúblicas Bálticas, à Polónia e à Roménia, todos eles ameaçados pelo expansionismo russo. Por que razão os finlandeses deverão ser solidários com a Grécia, quando o governo grego ignora completamente as ameaças à segurança da Finlândia?
Talvez os “amigos do Syriza” em Portugal andem distraídos, mas Putin coloca jornalistas que o criticam na prisão (quando não os mata), impede a liberdade de imprensa, envia académicos e intelectuais para o exilo em Paris e em Londres e prossegue minorias étnicas e sexuais. O Syriza é aliado do regime de Putin. Mais uma vez, os marxistas radicais e os ditadores nacionalistas se encontram no mesmo campo a combater as democracias capitalistas europeias.