Angola está a ser palco de grandes mudanças políticas impulsionadas pelo Presidente João Lourenço, mas resta ainda saber se se trata de uma ruptura com a política criminosa passada do MPLA ou de apenas meias-medidas para dar um ar mais humano ao regime.

No dia 19 de Novembro, o Jornal de Angola, órgão oficial do poder em Luanda, tem como título principal: “Governo reconhece excessos do 27 de Maio” e acrescenta que  Francisco Queiroz, ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, “reconheceu ter havido reacção excessiva aos acontecimentos que se seguiram à tentativa de golpe de Estado de 27 de Maio de 1977”.

“Houve execuções e prisões arbitrárias. Tudo isso está um pouco esquecido, mas precisamos lembrar para que não volte a acontecer”, acrescentou o ministro.

Trata-se de uma declaração importante, pois é um reconhecimento esperado por milhares de angolanos que viram seus parentes presos e assassinados.

Nesse dia, segundo a história oficial do MPLA, Nito Alves e mais uma série de “radicais de esquerda” tentaram realizar um golpe de Estado com vista a derrubar o Presidente Agostinho Neto. Este e os seus adeptos insinuaram que a União Soviética teria estado por detrás do “cabecilha da insurreição”, que uns meses antes representara o MPLA num dos congressos do Partido Comunista da URSS.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Com a ajuda de tropas cubanas instaladas em Luanda, Neto não só conseguiu derrotar a tentativa de “golpe de Estado”, como lançou uma onda de violência indiscriminada que levou à morte de um número desconhecido de pessoas, mas que deverá andar pela ordem dos milhares.

No meu livro “«Golpe Nito Alves» e outros momentos da história de Angola vistos do Kremlin”, publicado em 2013, defendo, com base em documentos dos arquivos da ex-URSS e testemunhos de diplomatas soviéticos que na altura se encontravam em Luanda, que não se tratou de um golpe de Estado, que a União Soviética não apoiou Nito Alves e que foi apanhada desprevenida pelos acontecimentos. Além disso relato o papel de alguns dos homens de Neto, por exemplo Lúcio Lara, na chacina levada a cabo pelo regime.
Entre as vítimas das atrocidades contaram-se José Van-Dunem e Sita Valles, ele irmão da actual ministra da Justiça portuguesa e ela antiga dirigente da União dos Estudantes Comunistas portugueses.

Agora resta saber até que ponto as autoridades angolanas estarão dispostas a ir na revelação de documentos e factos que esclareçam o que realmente aconteceu a 27 de Maio de 1977.

Se tal passo for dado, tratar-se-á de um grande contributo para o processo de reconciliação nacional. Mas, por enquanto, João Lourenço faz lembrar Nikita Khrutschov (1894-1971), um dos camaradas do ditador soviético José Estaline. Tendo participado com este nas purgas e matanças, que provocaram milhões de mortos na URSS entre 1924 e 1953, veio, em 1956, denunciar numerosos crimes do regime comunista e deu origem a um processo que na sociedade soviética ficou conhecido por “degelo”. Como não levou o processo até ao fim, foi derrubado por Leonid Brejnev, que ocupou o cargo de Secretário-Geral do Partido Comunista da União Soviética entre 1964 e 1982.

O Presidente angolano estudou vários anos numa academia militar de Moscovo e deve ter estudado também esse período da história soviética. Por isso é bom que esteja atento e leve as reformas a bom porto.