Estava a senhora inspectora-geral da Autoridade para as Condições do Trabalho, Luísa Guimarães, a ser ouvida no parlamento, mais precisamente na Comissão do Trabalho,  quando apareceram baratas. Logo os deputados consideraram que não havia condições para trabalhar e logo foi adiada a audição à senhora inspectora-geral.

Numa primeira abordagem, não deixa de ser surpreendente que os senhores deputados tenham encerrado assim a baratal questão sem que tivesse sido passada a devida multazinha, levantado o respectivo auto e proferida a inevitável ameaça de encerramento das instalações que prontamente teriam surgido caso os exemplares da subordem de insectos Blattaria tivessem sido detectados num qualquer estabelecimento do nunca suficientemente admoestado-regulado-multado sector privado. Mas enfim, estava-se no parlamento, para mais num parlamento que até tem deputado de um partido que se diz PAN – Pessoas-Animais-Natureza e há sempre o risco de, nesse dia, o respectivo deputado despertar para a profunda desigualdade da alegada protecção dos animais e denunciar o hediondo genocídio das baratas levado a cabo neste país. (Note-se que em França, país precursor em todos os combates às desigualdades e correlativamente nação pioneira no uso massivo da guilhotina, uma petição contra o genocídio das ratazanas foi assinada pelo menos por 17 471 pessoas que consideraram que não havia problema algum na infestação de ratos que actualmente se vive em Paris e que quem precisa de se tratar são os humanos que na sua perseguição impiedosa aos ditos animais apenas dão largas a uma fobia social.)

Fosse por temerem ser tratados como criminosos quando chegar o dia da luta contra a discriminação e genocídio das baratas ou por qualquer outra razão, os nossos deputados não quiseram ser vistos a matar baratas pelos cantos, gesto que até lhes teria proporcionado belas performances políticas. Por exemplo, se as baratas que resolveram aparecer na audição da senhora inspectora-geral da Autoridade para as Condições do Trabalho fossem do tipo Periplaneta americana os senhores deputados podiam ter aproveitado para espezinhar o animalzinho enquanto gritavam “Trump!” Se se desse o caso de se tratar de uma barata alemã, quem melhor que o socialista Pedro Nuno Santos para pôr as perninhas da barata alemã a tremer? Assim que me recorde o objectivo do agora Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares era fazer tremer as pernas dos banqueiros alemães. Mas quem faz tremer o que pode a mais não é obrigado e na falta dos banqueiros alemães restavam-lhe as baratas alemãs. É certo que se se tratasse de uma barata oriental ou tropical enfrentá-la era entrar num conflito por assim dizer irritante: o bicho é grande e não se amedronta facilmente. Irritante por irritante, se os processos judiciais vão para outras latitudes o mesmo se podia fazer com a barata tropical: mandá-la para um destino onde nunca seja perseguida.

Não creio contudo que o aparecimento de tal bicharada no parlamento tenha sido casual. Mesmo para umas criaturas que, como as baratas, levam a vida enfiadas nuns cantos esconsos, a actualidade portuguesa é de tal modo surpreendente que acompanhá-la obriga a correr riscos. Por exemplo, está uma barata a percorrrer o emaranhado de tubos e canos do parlamento e ouve Ferro Rodrigues declarar “Este não foi um caso de polícia. Foi um caso gravíssimo que coloca em causa o desporto português, o Sporting Clube de Portugal e o país” e barata que se preze pensa com as suas antenas (ou lá o que seja que uma barata tem na cabeça) que está na altura de mudar de país ou do país mudar de presidente da Assembleia da República. Afinal, mesmo um cerebrozinho de barata percebe que só num regime de fantochada é possível que Ferro Rodrigues declare que o sucedido no Sporting põe em causa o país enquanto a propósito do roubo nos paióis concluiu: “Tancos teve momentos altamente cómicos”.

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Em deambulações à superfície também devem andar as baratas do Palácio de Belém. As coitadas correm certamente entre o Páteo dos Bichos e a Varanda do Jardim da Cascata a tentar perceber porque se sente vexado o Presidente com os acontecimentos do Sporting e não com o falhanço do Estado nos incêndios de 2017. Provavelmente algumas das baratas palacianas até recordarão aquele dia 11 de Julho de 2016 em que naqueles jardins de Belém o Presidente da República, o senhor primeiro-ministro e todos aqueles que agora dizem que o futebol ultrapassou os limites não só se ultrapassavam uns aos outros como quase se atropelavam para ficarem na fotografia ao lado dos jogadores que acabavam de ganhar o Europeu de Futebol. E como as mais de três mil espécies de baratas que a wikipedia garante que existem não são imunes às desigualdades sociais, outras baratas alojadas em ambientes menos palacianos não deixam de comparar o alarido que se levantou no país por causa da agressão aos jogadores do Sporting com o espantoso silêncio e absoluta indiferença face à agressão sofrida por uma equipa da PSP, no Bairro do Aleixo, no Porto. A descrição das agressões aos polícias não fica atrás do acontecido em Alcochete: “Um grupo de cerca de 50 pessoas cercaram agentes da PSP no Bairro do Aleixo, no Porto, tendo atirado pedras contra os agentes. Durante os confrontos, os polícias efetuaram disparos para o ar e, no meio da confusão, um preso algemado conseguiu escapar, noticia esta sexta-feira o Jornal de Notícias. (…) A situação aconteceu recentemente e começou com uma abordagem da Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial a um jovem de 26 anos, que estava referenciado por tráfico de droga e condução sem carta. . (…) No meio da confusão, o jovem, que estava algemado e já dentro do carro da polícia, conseguiu fugir.”

As baratas populares (e populistas, no dizer das baratas avançadas) andam num virote à procura de declarações de Ferro Rodrigues, Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa a dizerem-se vexados com estas agressões.  Mas nada. Ao menos uma explicação para este mistério: como consegue uma pessoa algemada sair de um carro e fugir? O mais que se encontra é uma intervenção do ministro da Administração Interna defendendo que “sejam adotadas as medidas que responsabilizem todos e que, de facto, vão muito para além de uma dimensão de segurança” mas como as baratas constataram Eduardo Cabrita referia-se ao futebol em geral e ao Sporting em particular e não às agressões aos agentes da PSP. De facto o futebol ultrapassou todos os limites porque os políticos não souberam impor limite algum. Nem ao futebol nem a si mesmos.

Assim, pouco mais nos resta que seguir as as baratas pois elas andam por aí numa espécie de sinal exterior da putrefaçcão dos edifícios e do regime.