1. Portugal. Há culpados. A culpa não é só da natureza. Houve erros, omissões, falta de iniciativa. Descuido. Terão que identificar-se os responsáveis. A culpa não é só da natureza, a culpa é de quem errou, omitiu, não tomou as iniciativas necessárias, se desleixou.

Mas esta não é a altura. Portugal está em guerra, no meio de uma batalha ainda por vencer. No fragor da batalha não se despedem os generais que determinam a estratégia, os coronéis que coordenam a táctica, os capitães que comandam os operacionais, os sargentos que lideram as operações no terreno. Na batalha, há que ganhar a batalha.

Portugal está de luto. Choramos mais mortos no horror de Pedrógão Grande do que mortos chorámos em Entre-os-Rios e nos incêndios florestais que anualmente investem sobre o país, nenhum dos quais, que se saiba, registou mais vítimas. O país, os portugueses, choram os seus compatriotas, e sabem que a morte, naquele dia de cinza, abraçou alguns dos seus num abraço de fogo fatal, como os podia ter abraçado a eles. E choram, no silêncio da sua consciência, no fragor do seu coração, pelos seus semelhantes perdidos naquele sábado de horror, naquela estrada da morte, sob uma chuva infernal de fogo e fumo.

Esta é a altura de vencer a batalha e de fazer o luto, de chorar os mortos, de abraçar os sobreviventes. De acudir a quem tudo perdeu. De exaltar os combatentes no terreno, os que perdem a vida e os que a arriscam todos os dias e não compreendem que o país não se una em seu torno, em seu favor, em seu louvor. Apoiando-os sem ambiguidades. Não, esta não é altura para semear zizania, para dividir o país, para acenar com espantalhos de crises políticas ou morais. Este, repito, repito, é o tempo da batalha e do luto.

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Já se levanta o coro dos que exigem a queda de cabeças, dos que exigem o despedimento imediato dos generais, dos coronéis, dos sargentos que sangram ao lado dos seus soldados.

Não é este o tempo, apesar de ser este o tempo. Porque é preciso agir, é preciso agir há… 30? 40 anos? Alguém disse ou escreveu, porque tudo já foi escrito ou dito nos últimos dias, que o ritual é o mesmo de sempre desde que há democracia: decretado em Julho, o Verão agita-se em chamas vermelhas até meados de Setembro. Os ecrãs enchem-se de fogo e desolação, os políticos prometem acção, fazem reuniões, aprovam diplomas, garantem medidas, recursos, canadairs e outros pássaros salvíficos. Setembro progride, entra Outubro e pouco a pouco, devagarinho, esquece-se o inferno, confortam-se corpos e almas no refrigério das brisas do Outono. Até Julho, até Junho, até Maio, cada vez mais cedo, num calendário de clima e não de lei, com ondas de calor que aderiram ao aquecimento global: ou foi ao contrário?

Nos últimos dias, quase tudo foi escrito e dito, repito. E no coração da gritaria escreveu-se tudo e o contrário; abundam opiniões casuísticas, extremas, alarmistas, revanchistas, ovos de colombo sobre como resolver para sempre o problema, como se houvesse uma solução unívoca, definitiva, fácil.

Fico impressionado com a quantidade de especialistas que Portugal produz nestas situações e que sabem tudo sobre tudo com convicção. Suspeito que sabem tanto sobre tudo que no fundo pouco sabem sobre o que interessa. Eu, pelo menos, confesso que em matéria de fogos, incêndios e clima, nada sei; escuto os especialistas, os que estudam o fenómeno há décadas, os cientistas do clima e do comportamento dos fogos, os ecologistas, os técnicos do ordenamento do território. Tento entender e formar uma opinião. Mas é difícil, no meio do ruído que tudo sabe e tudo decreta; o ruído da ignorância amplificada, que enche as redes sociais e nos submerge.

Não, este não é o tempo das culpas ou da responsabilidade política; o tempo de saber dos erros, da razão da floresta ser um pavio aceso de norte a sul, este a oeste, de entender a insuficiência do SIRESP, de compreender como podem morrer queimadas dezenas de pessoas encurraladas numa via pública no século XXI. Esse tempo virá depois da batalha, e será exigente e será impiedoso para com os responsáveis; para com os culpados, se os houver.

Mas é sobretudo importante que, desta vez, pela primeira vez desde há décadas, por fim, se aja; que se cumpram as decisões já tomadas, que se concluam os decretos já aprovados e os que tramitam pelas instâncias do poder; que, com o envolvimento de todos, e sobretudo, com a ajuda decisiva de quem sabe, dos especialistas, dos que actuam no terreno, o ser humano vença a batalha do fogo com a natureza.

Certos de que, no final, ela terá sempre a última palavra na guerra vital com os que a desafiam, assentes numa retórica que não faz deles deuses de coisa nenhuma.

2. Londres. O atropelamento de um conjunto de muçulmanos no dia de ontem confirma o que há muito suspeito e sobre o que tenho escrito nestas páginas, por vezes com incompreensão por parte de quem apela à hostilização das comunidades muçulmanas através da Europa.

O objectivo dos nossos inimigos, sejam eles o Daesh ou a Al Quaeda, é justamente esse: criar o caos e fazer das comunidades estrangeiras nos países europeus um alvo. Alvo que, visado, estigmatizado, hostilizado, se voltará contra os seus vizinhos, tornando o continente, uma vez mais, um cenário de guerra, mais ou menos civil.

Não é esse o caminho. De guerras estamos fartos e a Europa, unida num projecto de paz e progresso, não pode retrogradar a um tempo sobre o qual só tem, se pensar bem, memórias que quer esquecer.

3. Brexit. Começou a negociação, e com ela o fim da União Europeia como a conhecemos.

Para já, fragilizada pelo resultado das eleições no seu país, Theresa May recua nos propósitos iniciais, e nos termos explícitos na carta do pedido de saída, aceitando começar a negociar apenas os termos da saída, deixando para a segunda fase a relação futura.

Parece coisa de somenos, é decisivo: o braço de ferro dos últimos meses tornava inviável a negociação. Esta cedência britânica permite-a.

Veremos como progride, mas para já é uma excelente notícia para os europeus – incluindo, naturalmente, os britânicos.