O termo Inteligência Artificial despontou pela primeira vez, dentro da comunidade científica, em meados dos anos 50. Foi um nascimento em simultâneo com os primeiros grandes sistemas informáticos (mainframes), e rapidamente se tornou num dos tópicos favoritos da Ficção Científica através de obras de Asimov (robôs) e Philip K Dick (replicantes). No entanto, só a partir do final do século passado, quando o computador Big Blue derrotou o campeão mundial de xadrez, Garry Kasparov, é que se começou a equacionar a IA como algo com potencial disruptivo na sociedade. Hoje já todos sabemos o que são algoritmos, ninguém se espanta com a crescente proliferação de automóveis de condução autónoma ou aspiradores “robô” que mapeiam as nossas casas e desenvolvem percursos de limpeza.

Quando perspetivamos a evolução da profissão de arquiteto ao longo de uma janela de tempo semelhante, vemos que também houve uma rápida evolução. Do estirador e da régua, passou-se para o desenho assistido por computador (CAD) e hoje modelam-se espaços e edifícios de uma forma tridimensional com capacidade de vislumbrar cenários virtuais de realidade aumentada. Mesmo assim, há quem não abdique de utilizar o esquiço, o lápis e o seu talento para desenhar e idealizar propostas arquitetónicas criativas e funcionais.

A arquitetura, como disciplina, teve sempre de conciliar a criatividade com o rigor que é exigido para a materialização de um projeto. Nunca foi suficiente, a um bom arquiteto, ser apenas um criativo. O que temos visto ao longo das últimas décadas é que as ferramentas informáticas têm permitido uma maior disponibilidade de tempo para a criatividade, libertando os arquitetos de tarefas mais rotineiras. A IA vai acelerar esta tendência.

A atual IA generativa nada mais é que um poderoso conjunto de algoritmos que acede e “interpreta” informação – e é esta capacidade interpretativa, aliada a uma potência de processamento inimaginável, que acaba por gerar polémica. Afinal, são máquinas que não apenas recolhem e filtram informação, mas que também a sabem contextualizar. Qual a melhor forma de implantar um edifício numa determinada topografia para tirar o melhor partido das condições ambientais locais? Quais os materiais ideais para que a construção tenha a menor pegada ecológica possível numa determinada geografia? Como garantir que uma construção adere a todos os requisitos legais de uma determinada localização (cidade, município, país)?  Todos os arquitetos se deparam com este tipo de questões (e muitas outras) no seu dia a dia. A obtenção de respostas é, atualmente, morosa. A IA é uma óbvia solução a médio prazo.

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O próprio processo criativo também está a ser impactado pela IA que está a ser usada para despoletar a criatividade na arquitetura. Não apenas através de ferramentas generativas mais acessíveis, como o DALL-E e o Midjourney, que através de sofisticados comandos (prompts) podem criar cenários de realidade aumentada para serem trabalhados por arquitetos, mas também programas que geram “alucinações criativas”. Estes são cenários que alimentam o processo criativo, ao despoletar ideias e conceitos fora-da-caixa.

Tal como acontece com todas as tecnologias disruptivas (desde o tear mecânico ao automóvel), haverá certamente profissões e funções que deixarão de fazer sentido economicamente no contexto da proliferação da IA. Mas, parafraseando Mark Twain, qualquer anúncio sobre a “morte” do arquiteto é algo exagerado, por múltiplas razões.

Na arquitetura, como em outras profissões de elevado pendor criativo, é precisamente o toque individual que faz toda a diferença nas fases conceptuais de um projeto. Já nas etapas subsequentes, quando o foco passa por aplicar o conceito à realidade, a IA poderá ser um precioso auxiliar. Detetando inconsistências nos desenhos, elaborando listas de materiais e elementos, validando as várias opções e detalhes construtivos, preparando a documentação técnica e de suporte, etc., etc. Ou seja, ajudando a minimizar a parte “aborrecida” da arquitetura, que habitualmente consome cerca de 70% do tempo de desenvolvimento de um projeto.

Em Portugal temos uma grande reputação (sempre relativa à dimensão do país que somos) na disciplina da arquitetura. O que não temos são empresas com dimensão global, quer seja pela pequena dimensão do mercado, quer seja pela falta de rigor operacional. Muito talento criativo, mas poucas oportunidades para o expandir além-fronteiras. A IA poderá ser a “alavanca” que falta, forçando as empresas a melhor organizarem-se para serem competitivas, adotando práticas operacionais menos “plásticas”, enquanto potencia a capacidade criativa das equipas dotando-as de mais recursos (informação) e tempo (produtividade).