Ficar no meio da ponte, sem deixar funcionar o mercado nem optar pelo planeamento e decisão central é sempre a pior das soluções. Ficamos sempre com o pior dos dois mundos. E é nessa situação que tem vivido o sector da habitação, com vantagens para as construtoras e para quem tem muito dinheiro ou para quem não tem nada. A classe média acaba por ser a que fica em pior situação, sem dinheiro para arrendar nem para comprar. Temos de escolher se queremos uma habitação que pertence ao Estado ou se queremos os mecanismos de mercados a funcionar. E esta escolha não impede que o Estado tenha também património, casas para arrendar, que não sejam apenas para os que estão mais desprotegidos. E o Governo tem de ser mais corajoso a retirar benefícios fiscais que hoje são desnecessários.

Como é que chegámos a este ponto?

De repente Portugal ficou na moda porque é um país barato, com bom clima e seguro e, ainda apor cima, oferece benefícios fiscais para residentes não habituais, profissões de elevado valor acrescentado e nómadas digitais e tem condições muito atrativas para vistos “gold” que dão acesso a toda a União. Ou seja, o Estado aumentou a procura de habitação em Portugal para quem quer pagar poucos impostos ou entrar no espaço europeu, acrescentando procura à procura já existente para alojar os turistas.

Primeiro efeito está visto: aumento da procura de habitação por via do crescimento do turismo, mas também induzida pelas medidas fiscais – algumas que remontam a 2009, quando fazia sentido atrair investimento para o país que estava a entrar em bancarrota. Ou seja, as políticas públicas têm atirado achas para a fogueira, que já ia alta, da procura de casas. Como a oferta não reagiu à mesma velocidade da procura, obviamente que os preços subiram,

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Mas não foram só os preços para os “ricos” que subiram, subiram todos os preços em geral porque a oferta começou a escassear não apenas por pressão da procura, mas também porque, naturalmente, quem constrói desloca-se para o mercado mais rentável.

Comecemos por responder à pergunta: para que tipo de casas é que a procura aumentou? Obviamente que só vale a pena fazer planeamento fiscal ou procurar um visto gold quando se tem bastante dinheiro (no caso do visto gold é aliás condição necessária). Ou, digamos, algum dinheiro, porque face ao rendimento médio português qualquer país da Europa central do Norte – onde os impostos doem – pode ter ganhos em fazer planeamento fiscal. Logo, as casas mais procuradas foram as do centro das cidades ou nas zonas costeiras.

Mesmo a medida de acabar com os vistos gold no caso de investimento em imóveis no litoral, tem pouco efeito, quer porque de facto, e como diz um economista, todo o Portugal é litoral, mas também porque a medida usou como referência as freguesias do litoral e não os concelhos. E há zonas no litoral alentejano onde tudo está basicamente na mesma (ver aqui a Portaria). Ou seja, a procura de casas aumentou e dirigiu-se fundamentalmente para as casas mais caras.

O que fará uma empresas de construção racional? Obviamente que, podendo, começa a orientar-se para a construção de casas para estas novas procuras, de estrangeiros a fugir dos impostos dos seus países ou à procura de passaporte europeu.

E aqui temos o conjunto de incentivos perfeito para aumentar a procura e reduzir a oferta de casas para a classe média, com a consequente subida dos preços.

O Governo quer mesmo começar a resolver o problema do aumento do preço do imobiliário? Então comece a acabar a sério com os benefícios fiscais para quem foge aos impostos do seu país – deixe de tirar receitas fiscais aos outros – e acabe com os vistos gold a sério e não a brincadeira que fez em 2022. Verá como a pressão sobre a procura diminui. Não resolve o problema de imediato, mas começa a contribuir para a solução.

Além de acelerar a oferta de habitação pública mais dirigida à classe média, do lado da oferta pode desenhar incentivos fiscais para as construtoras que fazem casas para a classe média e pode fazer do imobiliário um investimento individual e para as empresas, como as seguradoras e os próprios fundos da segurança social do Estado. Mas para isto é preciso que deixem de tratar os senhorios como se fossem uma espécie de ferramenta do Estado para a política social. O Governo tem de ter a coragem de deixar funcionar o mercado de arrendamento dando aos senhorios a confiança de que o Estado não se apropria do que é deles.

Portugal não precisa, neste momento, de dar incentivos para que os estrangeiros venham para cá viver. O país já tem atributos suficientemente atrativos neste momento: além do clima que sempre teve, soma agora a segurança. Algumas pessoas iam-se embora? Seguramente que sim, mas o que se perdia seria inferior ao que ganharia quem vive em Portugal não apenas para fugir aos impostos.

Subsídios públicos são necessários para esta fase crítica, mas não resolvem problema nenhum. É preciso acabar com os incentivos perversos que prevalecem no sector da habitação se queremos que os mecanismos de mercado funcionem e a oferta de casa aumente mais rapidamente. No meio da ponte, querer mercado e não querer, é que não traz ganhos para ninguém. E só significa gastos para um estado que precisa do dinheiro para outras áreas onde o mercado não funciona. Mas é preciso ter primeiro consciência de que parte do problema da habitação é da responsabilidade das políticas do Governo.