Conversava eu há dias com um grande Amigo, um portista ferrenho e conceituado advogado da nossa praça,  sobre os lamentáveis acontecimentos durante os festejos do título do Futebol Clube do Porto, quando nos “desentendemos”. Dizia-lhe eu que achava que o triste crime ocorrido era consequência do estado deplorável em que caiu a nossa justiça e da sensação de impunidade que isso transmite para a maioria da população portuguesa, ao que ele me retorquiu: “A nossa justiça está bem, recomenda-se, mas que por não ser divina e ser feita por homens também falha, como todas as outras coisas mundanas.”

Não concordo contigo, meu amigo! Desculpa, mas penso precisamente o contrário. Acho que a justiça está doente, funciona mal e precisa de uma grande e urgente reforma – respondi eu.

E é precisamente essa a minha convicção! O sentimento de impunidade é tal em determinadas facções da nossa sociedade que lhes permite não ter qualquer receio de infringir a lei, pois confiam nos seus advogados, muitos deles pagos a peso de ouro.
E ficamos todos estupefactos como grandes e experientes advogados conseguem facilmente livrar de penas duras os seus constituintes, com mesquinhas alegações, por vezes maquiavélicas, que mais não são do que ardilosos subterfúgios à lei e que lhes permitem fintar o nosso código penal.

Não entendo como se consegue arranjar uma pena suspensa para um violador ou para um pedófilo! Não entendo como é que o Juiz Ivo Rosa só saiu por sorteio à terceira tentativa e o caso José Sócrates, perante todas as provas conhecidas, teve as alegações que todos ouvimos: uns crimes já tinham prescrito, noutros as provas não podiam ser consideradas válidas e noutros as provas foram mal fundamentadas pelo Ministério Público. Enfim. Entretanto , José Sócrates continua a aguardar tranquilamente uma decisão.

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Continuo sem entender como é que Ricardo Salgado, depois de todas as provas compiladas e expostas em tribunal, ainda se encontra em suposta prisão domiciliária na sua mansão e continua a poder passar férias no estrangeiro! Com todo o respeito que tenho pelo sofrimento dos pacientes com Alzheimer e seus familiares, permitam-me desconfiar deste novo dado processual.

Não entendo porque se é tão lesto a prender Rui Pinto e se é tão lento ou praticamente inoperante a investigar os supostos crimes que ele denunciou ! Não entendo como a certos tubarões da nossa sociedade se permitem dividas de milhões e a um comum mortal, como a maioria de nós, se falharmos um qualquer compromisso com o estado surge-nos rapidamente em casa uma carta das finanças ameaçando com uma execução fiscal!

Não entendo como os escândalos “Casa Pia” e “apito dourado” resultaram numa mão praticamente cheia de nada apenas porque as escutas que todos ouvimos “foram obtidas de forma ilegal”.

Com tudo isto, e muito mais que poderia  referir, fico efectivamente sem  entender porque não há coragem governativa para propor uma profunda reforma na nossa justiça, que intimide os prevaricadores e impeça todos os malabarismos da advocacia que em nada protegem cidadãos ordeiros e honestos, mas tudo fazem para safar criminosos do pior quilate! São estas injustiças da nossa justiça que me revoltam! É isto que me indigna neste país!

Mas se entrar no mundo do futebol português, então é que me sinto um verdadeiro ignorante. Pode-se insultar, esmurrar, burlar, fugir ao fisco e pouco ou nada acontece. Por vezes lá surge um ou outro castigo, mas quase sempre muitos meses depois e por coincidência na véspera de grandes dérbis ou jogos teoricamente mais difíceis. Tudo normal ! Siga! Faz parte do nosso futebol. É um autêntico bananal, acantonado numa verdadeira república das bananas.

Também não percebo qual é a figura jurídica da nossa justiça que permite por sistema a diversos clubes decretarem falência, levando ao desespero todos os seus credores, e reabrirem com outro nome e no dia seguinte, sem quaisquer responsabilidades!

Mas assobiar para o lado perante os gravíssimos problemas com as claques organizadas deixa-me perplexo. A lamentável morte deste jovem no Porto é apenas mais uma atribuída à responsabilidade das claques que parasitam à volta do futebol. Muitas dessas claques albergam verdadeiros gangs brutalmente perigosos, que parecem também gozar de enorme impunidade, à semelhança do que se passa com muitos dirigentes desportivos onde a impunidade é praticamente total.

E por se saber de tudo isto também não compreendo como é que os nossos governantes ainda não tomaram medidas legislativas radicais no sentido de acabarem definitivamente com as loucuras das claques. Decretar a sua proibição! Pura e simplesmente proibir a existência de claques organizadas e terminar com todas as benesses e mordomias que lhes são actualmente atribuídas.

E depois de proibir, controlar exaustivamente! Faltam operacionais? Pois que se arranjem esses operacionais com boa formação e se lhes dê liberdade para actuar, para que todos os que gostam de desporto possam voltar a desfrutar dessa paixão junto da sua família e sem risco para a sua integridade física. Urge efectivamente extinguir as claques organizadas, passando todos os seus membros à categoria de adeptos, onde serão todos tratados da mesma forma, sem qualquer estatuto de excepção.

Há cerca de 30 anos, os ingleses tiveram grandes problemas com os seus holigans nos estádios e imediações, que culminaram na drama de Heysel onde morreram dezenas e dezenas de pessoas. Na sequência desta tragédia, o governo inglês impôs medidas e sanções exemplares que terminaram praticamente com este flagelo, sendo o futebol inglês hoje em dia um exemplo para todo o mundo. E Inglaterra será talvez o sítio mais seguro para se poder assistir a um jogo de futebol.

Quando por cá aconteceu a tragédia do very light no Estádio Nacional ainda cheguei a pensar que iríamos finalmente acabar com as claques. Mas não, estava enganado e infelizmente não só se mantiveram como até se multiplicaram. A vergonha de Alcochete também me deu alguma esperança, mas mais uma vez não passou de uma esperança e a realidade continua a ser muito diferente.

Sou apaixonado pelo desporto e era  apaixonado por futebol. Cheguei  a chorar de tristeza e de alegria como adepto desta modalidade… tive as duas experiências.
De tristeza, quando a Académica desceu à segunda divisão há cerca de 40 anos perdendo na liguilha com o Salgueiros; mas de alegria quando Portugal foi campeão europeu  e  quando a minha Briosa ganhou a Taça de Portugal ao Sporting em pleno Estádio Nacional, onde eu estava como adepto. Chorei compulsivamente abraçado aos meus filhos, à minha mulher e aos meus amigos. Era assim a minha relação com o futebol.

Mas nos últimos anos, com tanta promiscuidade que vi e continuo a ver no nosso futebol, começando na formação e acabando no profissionalismo, essa paixão foi esmorecendo  e praticamente desapareceu. O futebol português, salvo honrosas excepções, é neste momento um submundo que parece viver à margem da lei. Um meio que mexe com muito dinheiro e talvez por isso mesmo se encontre infestado de gente sem valores e sem princípios, para quem vale praticamente tudo desde que o resultado seja uma mera promoção individual ou um chorudo retorno financeiro.

Estão a matar o futebol português e vai ser preciso mudar muita coisa para que eu volte a entrar num estádio e a vibrar com o futebol.