Não pretendo aqui fazer qualquer juízo de valor, nem tão pouco julgar Bruno Nogueira, mas o meu senso de humor não me permite esboçar um único sorriso perante o seu novo programa na SIC, Tabu.

Já lá vai o tempo em que eu me sentava invariavelmente de forma descontraída no sofá a ver televisão. Agora não. Agora colido muitas vezes de frente com comentadores e jornalistas  com quem discordo em quase tudo, mas também com alguns programas de gosto muito duvidoso.

É certo que este programa, Tabu, tem um contexto particular, mas não entendo como se pretende fazer rir uma plateia expondo a nu todas as limitações físicas, psíquicas ou intelectuais de um leque de quatro convidados com profundas incapacidades.

Se o sorriso dos convidados aparenta ser genuíno, pois todos eles me pareceram pessoas bem resolvidas com os seus problemas, já as gargalhadas do público me deixam sérias dúvidas em relação à sua espontaneidade.

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Uma coisa é dizer-se “sem tabus”, outra, completamente diferente, é parecer-se um indivíduo sem córtex, totalmente desprovido de filtros e achar que pode fazer todo o tipo de humor em torno de problemas e doenças tão dramáticas e incapacitantes.

Humor em torno das limitações físicas (e até sexuais) de um senhor que ficou tetraplégico num acidente, ou humor em torno de uma senhora que ficou com 70 por cento do corpo queimado, tendo sofrido amputações, deixa-me angustiado. Mas humor com as perspectivas de vida com um paciente oncológico tirou-me do sério! Foi a gota de água… não consegui ver mais !

Não sei quem idealizou este programa, que será, provavelmente à semelhança de muitos outros, cópia de programas estrangeiros. Bruno Nogueira terá até sido provavelmente apenas convidado para lhe dar voz, mas para mim é de um enorme mau gosto.

Compreendi, talvez, a sua verdadeira intenção, mas não acho que ajude a desmistificar estes dramas nem me deixa sem os tais “tabus”, que não são tabus, perante essas pessoas. Deixa-me, sim, profundamente triste porque lido diariamente com pacientes, alguns deles  padecendo de graves doenças com profundas incapacidades. E a destruição física, mas sobretudo psíquica, é brutal, tentando eu ajudar na medida do que posso.

Tinha 21 anos quando fui confrontado com a doença da minha Mãe: tumor cerebral. Lutou como pode contra tão macabra doença, mas foi vencida, perdeu uma luta muito desigual e morreu ao fim de três anos. Esforçou-se por rir numa ou noutra circunstância durante todo esse tempo, mas nunca a vi sorrir da sua fatalidade. E eu, passados 30 anos em que não há um único dia que não A recorde, ainda não consigo sorrir quando se fala de um cancro.

O meu pai teve um AVC pouco tempo depois, tendo ficado fisicamente incapacitado para a profissão e para a sua vida, embora perfeitamente bem da sua cabeça. Até hoje, sendo um homem dotado de grande inteligência e com um profundo senso de humor, também nunca o vi sorrir ou fazer uma única piada em torno da sua incapacidade.

Grandes amigos, familiares e vários pacientes a quem eu muito me entreguei, também faleceram por cancro e nunca os vi sorrir com o seu azar. Outros houve que ficaram estropiados por acidente, a quem também nunca constatei qualquer vontade de rir com o que lhes aconteceu.

Em resumo, meus amigos, talvez as minhas vivências como homem e profissional de saúde não me permitam sorrir com certo tipo de humor, muitas vezes negro para mim, mas se há gente conformada e bem resolvida com as suas cruéis fatalidades , não nos podemos nunca esquecer do brutal sofrimento que certas doenças e incapacidades provocaram e continuam a provocar em tantas outras pessoas. Basta visitar duas ou três enfermarias no hospital, ou simplesmente a de oncologia.

Tenho a certeza de que o intuito de Bruno Nogueira será o melhor. Até simpatizo com ele e, como já disse, acho que compreendo a sua intenção, mas julgo que há que reconhecer que é uma aposta falhada e, eventualmente, de parar. Ou então, pura e simplesmente colocar alguns filtros, não tocando em fatalidades tão trágicas e tão tristes.

Por ser um assunto que muito me incomoda, sobre o qual prevalece bastante a minha emoção, que por vezes destrói a razão, pensei seriamente guardar este desabafo apenas para mim, como faço com muitos outros.

Acabei por fazer o contrário, mas repito, não quero com tudo o que aqui escrevi fazer quaisquer juízos de valor e também não pretendo impor lições de moral ou de humanismo a quem quer que seja. Limito-me a dar a minha singela opinião e, embora não compreenda, consigo respeitar quem se diverte com este tipo de programas.

Peço que não me interpretem mal porque, como já expliquei, por diversos motivos, posso ser eu a estar errado.