Quase todos os dias apanho o 709, por volta das 7 horas da manhã. A Lurdes, uma menina sorridente de 4 anos, acompanhada pela sua mãe, levanta-se às 5 e 30 da manhã. Apanha um autocarro, depois o barco e finalmente o 709.

A Lurdes entra na Escola às 8 horas e a mãe vai trabalhar. Ao fim do dia o percurso é inverso. Demoram 90 minutos nesse trajeto todo.

A mãe termina o seu relato da vida diária com um desabafo “Coitadas das crianças portuguesas.”

Em qualquer vila do interior, as crianças/ jovens para frequentarem a Escola apanham o transporte escolar às 7 horas, fazem mais de 30 quilómetros e voltam às 18 e 30.

O tempo que passam com a família não chega a 3 horas.

Como Encarregada de Educação fui confrontada com um horário semanal de 33 horas letivas de uma aluna que frequenta o 8º ano. Num dia entrava às 8 e 15 e saía às 17 e 40, com 9 horas de aulas, esta situação na cidade de Lisboa.

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Claro que tomei diligências, e a carga horária passou para 8 horas.

Qual é o rendimento dos alunos nestas condições?

Se olharmos para a matriz curricular do 3º ciclo, os alunos têm 33 horas letivas.

Em Portugal, os trabalhadores fazem um horário de 35 a 40 horas semanais. As crianças e os jovens fazem quase 50 horas de trabalho semanal  entre a escola e o estudo autónomo.

A Teoria da Escola a tempo inteiro “mata” o vínculo familiar.

A Convenção dos Direitos da Criança adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989, e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990, elaborou uma carta de princípios. No artigo 3, pode ler-se:

“1. Todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão principalmente em conta o interesse superior da criança.

2. Os Estados Partes comprometem-se a garantir à criança a proteção e os cuidados necessários ao seu bem-estar, tendo em conta os direitos e deveres dos pais, representantes legais ou outras pessoas que a tenham legalmente a seu cargo e, para este efeito, tomam todas as medidas legislativas e administrativas adequadas.”

No XIV Fórum Internacional Permanente de Educação para o Empreendedorismo, no qual participei  como Professora de Matemática, tive a oportunidade de ouvir o Professor Doutor Carlos Neto, autor do livro “ Libertem as crianças”.  Falou sobre a importância na área da brincadeira e do jogo e da sua importância para o desenvolvimento das crianças e do vínculo familiar.

Considero que o ponto 2 do artigo 3, citado acima, não está a ser cumprido.Os governantes não consideram essencial o acompanhamento efetivo das crianças, já que os pais e as mães têm um horário de trabalho de 8 a 10 horas diárias e as crianças entram nas escolas e creches às 7 e 30 e saem às 19 horas.

Na nossa sociedade temos pais esgotados e filhos escravizados, pelas horas que passam nas aulas, nas atividades extracurriculares, pela falta de espaço ou equipamentos para a prática de exercício físico, e prática desportiva.

Num país onde a taxa de natalidade é uma das mais baixas das Europa, as políticas públicas não privilegiam a promoção da natalidade. As crianças e jovens não têm um vínculo familiar, passam mais tempo na escola do que em casa. As referências passam a ser os alunos mais velhos, e os professores e funcionários.

Esta situação poderá, a médio e longo prazo, pôr em causa a sustentabilidade da sociedade e a solidariedade geracional.

A  questão que os nossos jovens e crianças um dia  poderão colocar: se não têm tempo para mim em criança, porque é que terei tempo para eles quando forem idosos?