Passada a espuma dos dias de chumbo do Orçamento e do anúncio, pré-anunciado, do Presidente da República de legislativas a 30 de Janeiro conseguimos hoje perceber um pouco melhor que, afinal, toda a esquerda queria eleições antecipadas. Marcelo Rebelo de Sousa, numa intervenção em que, embora se possa discordar, explicou muito bem o que fez e porque o fez, parece não ter conseguido evitar dar ao PS, ao PCP e ao BE aquilo que afinal queriam, apesar de dizerem que não. Porque se o PS queria eleições antecipadas, o PCP e o BE fizeram tudo para satisfazer esse seu desejo – que não defende os interesses do país, mas ajusta-se muito bem à situação política actual e às perspectivas para a economia.
Quer o PCP como o BE sabiam perfeitamente que era manifestamente impossível ao PS aceitar medidas que alterassem significativamente a legislação laboral, dar um salto no salário mínimo ou eliminar o factor de sustentabilidade. António Costa nunca poderia concordar com isso, se não fosse por convicção – de que as mudanças solicitadas reduzem a competitividade – pelo menos pela inevitabilidade de abrir uma frente de batalha com a Comissão Europeia, no caso da lei laboral, que poderia colocar em causa, isso sim e não o Orçamento, novas transferências do subsídio do Plano de Recuperação e Resiliência.
Sabendo isso o PCP e o BE, a pergunta é: porque fizeram tanta questão num tema em que, sabiam, era impossível de obter acordo? Sabendo até antecipadamente que o Presidente tinha dito que haveria eleições caso o Orçamento não fosse aprovado? Temos de concluir que queriam eleições antecipadas, tal como o PS. Serve aos três partidos, só não serve o País.
Olhemos à nossa volta, primeiro para os concorrentes do bloco PS/PCP e BE. Que melhor altura para ter eleições antecipadas do que aquela em que o bloco concorrente está caótico? O principal partido da oposição, o PSD, enfrentava o fim do mandato de Rui Rio e, mesmo não antecipando o que veio a acontecer, todos sabiam que o líder social-domocrata vivia sob constante crítica. Depois das eleições autárquicas ficou também a saber-se que iria ter um desafiador, Paulo Rangel, confirmando-se o que já se ouvia nos corredores. O Conselho Nacional do fim-de-semana conseguiu dar ao PSD alguma normalidade, evitando-se o que aconteceu ao CDS. Conseguiu evitar ser o CDS, graças ao recuo de Rui Rio. Mas, quer se queira quer não, o PSD vai perder todo o mês de Novembro a olhar para dentro, com as directas a 27. Nem PSD nem CDS partem para eleições na sua melhor forma, e a sua oposição sabia isso.
Do lado da saúde pública e da economia também tudo aconselhava os partidos, que nos governaram nestes últimos seis anos, a fazerem tudo para antecipar eleições. Se o interesse público fosse a sua preocupação, claro que teriam aprovado esta proposta de Orçamento até que fosse mais claro o que nos espera na pandemia e na economia. Mas não quiseram correr esse risco.
O Governo está convencido que o que afastou o BE da aprovação do Orçamento de 21 – viabilizado com a abstenção do PCP – foi a convicção de que o pós-pandemia iria ser terrível, com um aumento significativo do desemprego. Não aconteceu e bem pelo contrário, a actividade económica deu um salto e o emprego ultrapassou já os níveis registados antes da pandemia. O problema começa agora.
A recuperação foi muito rápida, aqui e no resto do mundo. Mas nada nos garante, bem pelo contrário, que vai continuar assim. Primeiro por causa da pandemia, que ainda não acabou. Na Europa central e oriental a evolução é cada vez mais preocupante e já temos pelo menos dois países em confinamento. Não sabemos como vai ser o nosso Inverno, levando até em conta que o processo de reforço da vacinação está neste momento atrasado. Se a pandemia se agravar será mais um problema a acrescentar ao que já se detecta na frente económica.
Começam a existir sinais de perda de velocidade da recuperação em simultâneo com um aumento dos preços. São o reflexo dos estrangulamentos nas redes de distribuição, sequelas da pandemia e da crise energética. Na Alemanha, por exemplo, o indicador de clima económico do Ifo está a cair desde Agosto. E este abrandamento da economia acontece ao mesmo tempo que a taxa de inflação sobe, retirando ao BCE margem de manobra para manter a sua política monetária de compra de dívida pública. Quanto tempo vai durar este condicionamento da recuperação económica, ditado pelo lado da oferta, ninguém sabe. Quanto mais duradouro for mais danos causará na economia.
É com este cenário de elevada incerteza que os partidos políticos, que mantiveram o Governo do PS, escolheram ir para eleições. Como disse o primeiro-ministro na entrevista, que deu à RTP nesta segunda-feira, 8 de Novembro, para os portugueses “os políticos não tiveram respeito pelos sacrifícios que as pessoas fizeram”. Mas, verdadeiramente, não há inocentes nesta crise política. Todos, PS, PCP e BE quiseram eleições antecipadas. Daqui a um ano tudo poderia estar muito pior, como os dados que temos neste momento parecem dizer.