É oficial: pelos lados da geringonça cortaram as últimas amarras que os ligavam à realidade. É o que qualquer pessoa sensata conclui da promessa de Pedro Marques do novo aeroporto complementar no Montijo para 2019. Os tempos dessa entrada cimeira da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o ‘direito ao TGV’, exigido pelos lunáticos da Juventude Socialista em 2009, estão de volta.

Claro que em 2019 dificilmente haverá aeroporto. A razão é simples e bruta: não há dinheiro. Mas, em boa verdade, o que interessa ao PS também não é a construção do aeroporto. É muito mais útil enganar os tolos com a retórica do investimento; encher jornais e noticiários com projetos grandiosos que o magnífico governo apadrinha (os jornalistas assim sempre se esquecem de referir os números risíveis do investimento que, de facto, temos tido e que mostram que com este desgoverno ninguém arrisca investir); oferecer uma cenoura coberta de chocolate, à laia de esperança, aos eleitores dos municípios da zona do futuro-barra-imaginário aeroporto.

O PS sempre foi um partido da pós-verdade, muito antes do conceito estar na moda. Lembramo-nos das promessas de Centeno e Costa para o crescimento económico, não lembramos? Pelo que dizer que se quer construir o aeroporto, para o PS, é muito mais útil que construir mesmo o aeroporto. Quanto menos o pretenderem construir, mais proclamações enfáticas de amor assolapado pelo novo aeroporto deveremos ouvir. Vamos ser todos endoutrinados na bala de prata (mais uma, já houve tantas) que é o novo aeroporto para o desenvolvimento português. Quem não amar o projeto do novo aeroporto acima de todas as coisas, não é patriota. António Costa, naquela sua peculiar maneira de esmigalhar a língua portuguesa, ‘incontrará’ maneira de argumentar que é ‘inconxional’ não construir o novo aeroporto.

Quer dizer que, apesar da retórica lunática, o PS até vai ter uma prática responsável e arredar-nos de custos com o novo aeroporto? Claro que não, caro leitor, por quem os toma? Pedro Marques já esclareceu que se realizarão estudos. Muitos estudos a empresas amigáveis poderão ser encomendados – e pagos, quer se realizem além do primeiro rascunho ou não. A utilidade e a necessidade dos ditos é irrelevante, afinal quando efetivamente se construir o novo aeroporto estarão já datados e serão necessários estudos mais atualizados. Há muito dinheiro dos contribuintes para desbaratar por aqui – e o PS dedicar-se-á carinhosamente a este desígnio.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Alegre-se: as boas ideias – boas no sentido de espremer contribuintes – não param. O BE quer eliminar as propinas do ensino universitário, mesmo para os alunos de famílias com rendimentos que possam pagá-las. A agremiação de jovens (ou trintões) excitáveis conhecida como JS, mais uns tantos socialistas, aplaudem. Querem tornar o ensino superior ‘gratuito’ – segundo o dicionário da geringonça; no dicionário das pessoas não infetadas pelo virus socialista, ‘gratuito’ significa pago por outros, os omnipresentes contribuintes.

Os contribuintes já estão sangrados mais que suficientemente? O ensino superior traz geralmente vantagens monetárias futuras a quem o frequenta, fazendo sentido por isso que o grosso do seu financiamento recaia sobre quem dele mais beneficia? Os alunos do ensino superior são sobretudo filhos da classe média e da classe alta, pelo que o pagamento por todos os contribuintes é uma transferência de recursos para as famílias mais endinheiradas? Não interessa. É tão bonito bater no peito enquanto se reclama ensino superior alegadamente gratuito.

Os contribuintes, como na geringonça sabem, têm uns bolsos muito fundos e faz-lhes muito bem pagarem mais impostos. É gente muito rica – que só por manigâncias não aparece nas estatísticas – com fundos intermináveis a necessitarem de ser transferidos para a boa gestão da sensata gente do Bloco e da ala esquerda do PS. Quem não confia nestes génios financeiros para gastar por nós o nosso dinheiro?

Continue, portanto, sorridente enquanto o desgoverno todos os dias inventa formas de esmifrar contribuintes, e depois não se admire se, tendo um ordenado de classe média, o usar para sustentar as alucinações da geringonça e não lhe sobrar para ir de férias ou comprar presentes de Natal.

Posto isto, é uma grande injustiça que as indignações da semana tenham recaído sobre Isabel Moreira. E logo por ter constatado uma verdade autoevidente: a defesa da liberdade de expressão não é uma causa de esquerda. Que a autocensura (descrevo eu a recomendação da deputada do PS) é que é de esquerda. (Quando dirigida à comunidade lgbt, claro. Se tiver como alvo a padralhada, por exemplo, há que abusar da liberdade de expressão. A própria Isabel Moreira é um tanto descontrolada quando se trata de epitetar publicamente opositores políticos.)

Ora Isabel Moreira tem muita razão. A defesa da liberdade não é de esquerda. De esquerda é a igualização (à força, se preciso) dos indivíduos. E são Isabel Moreira e seus amigos (os deuses nos livrem e guardem) que sabem aquilo em que devemos usar a nossa autocontida liberdade. Não é de esquerda a defesa da liberdade de expressão, tal como não é de esquerda a defesa da liberdade de cada um de nós dar o destino que bem entende ao dinheiro que ganha com a sua profissão. Também conhecida como liberdade de não sermos continuamente e crescentemente abalroados na conta bancária por via fiscal.

A esquerda adora tanto estas liberdades quanto eu aprecio serpentes (que ainda ontem andei a fugir, sob o escárnio dos meus filhos, de umas reproduções dos abjetos rastejantes num museu de história natural). Isabel Moreira é só mais transparente que os seus colegas ideológicos.