As coligações das esquerdas fazem lembrar os casamentos infelizes. Atrás das aparências de felicidade, e de juras de fidelidade, preparam-se traições e cada um dos parceiros está sobretudo a pensar nos seus benefícios a prazo. Aliás, o radicalismo ideológico procura também disfarçar a fragilidade das relações entre as esquerdas.

O Partido Comunista é o elo mais vulnerável dos entendimentos entre as esquerdas. Foi a quem mais custou entrar na geringonça – e, apesar da disciplina do partido, as divisões e o mal estar de alguns foram visíveis. Os comunistas podem perder muito com estes entendimentos. Todos notaram como o Syriza destruiu o partido socialista grego e como o Podemos ameaça os socialistas espanhóis. Mas pouco repararam como a nova esquerda ‘chic‘ e radical destruiu os comunistas gregos e espanhóis. As primeiras vítimas do Syriza e do Podemos foram o partido comunista da Grécia e o partido comunista de Espanha.

Em Portugal, o Bloco de Esquerda tenta fazer o mesmo. O PCP é o primeiro alvo a abater. As eleições presidenciais mostraram a estratégia do BE: consolidar a sua votação entre os 10 e os 12% e empurrar os comunistas para os 4, 5%. Isso faria do BE a segunda força das esquerdas em Portugal. Tal como o Syriza e o Podemos, o BE conseguiu uma combinação poderosa para o eleitorado de esquerda: alia o discurso radical à imagem moderna. O seu radicalismo é mais ‘chic’ que o do PCP e mais apelativo às classes urbanas de esquerda.

No contexto da ameaça do BE ao PCP, há duas questões interessantes. A primeira diz respeito ao PS. Irão os socialistas ajudar o BE a enfraquecer o PCP ou serão neutrais? António Costa é demasiado pragmático para já ter tomado uma decisão. Mas muitos dos jovens turcos à sua volta já escolheram o BE, e andam a enganar os comunistas. A segunda questão é existencial para a coligação das esquerdas: qual será o momento escolhido pelo PCP para derrubar o governo de modo a lutar pelo estatuto de segundo partido das esquerdas em Portugal?

O BE está confortável. O tempo neste momento está a seu favor e vem de duas vitórias contra os comunistas. De certo modo, está no melhor dos mundos. Está no poder sem responsabilidade e na oposição mas com influência sobre o governo. Se os seus líderes pudessem, paravam o tempo e ficavam no presente. Mas o tempo nunca para e, na vida política – sobretudo em tempos de crise – pode acelerar subitamente. O BE quer antecipar calendários, mas enfrenta um dilema: ficar colado a um governo que não foi capaz de cumprir as promessas e deixar para o PCP os votos dos insatisfeitos das esquerdas. E este dilema pode surgir mais cedo do que o BE deseja, quando se discutir o orçamento retificativo antes do Verão.

Ocupado com o governo em tempos difíceis, o PS é o que tem menos tempo para pensar nas estratégias correctas e nos timings certos. Por isso, a grande tentação dos socialistas será olhar para as sondagens, provocar eleições se acreditarem que podem ganhar e, provavelmente, concorrer em coligação com o BE. Mas mesmo que não façam uma coligação pré-eleitoral, os socialistas sabem que a única hipótese de uma maioria absoluta será com o BE. Acabou-se o tempo das maiorias absolutas de um só partido. Nesse caso, o PCP seria o grande sacrificado para permitir um futuro casamento entre António e Catarina, desta vez a dois (até para as esquerdas há limites para os casamentos menos convencionais). Para o bem de Portugal, esperemos que Pedro e Assunção sejam capazes de estragar a boda.

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