Portugal tem três problemas fundamentais que, resolvidos mesmo que parcialmente, poderiam contribuir para aumentar a nossa prosperidade: instituições fracas e ineficientes, competitividade e envelhecimento da população. Estes problemas estão expostos, como consequência ou causa, em burocracia de Estado; numa justiça lenta, especialmente na área administrativa e fiscal; em salários baixos e em reduzido capital. Soma-se a isso o problema da desigualdade, que a pandemia agravou. O desafio é olhar, parcialmente que seja, para os programas eleitorais dos dois partidos que podem ganhar as eleições, PS e PSD, para tentar perceber o que nos propõem.

Sendo a política de impostos a mais usada pelos dois partidos para vencer esses desafios e sendo, também, a fiscalidade aquilo que mais efeitos financeiros directos e imediatos tem na vida das famílias e das empresa, é neste tema que incidirá esta análise.

O PS usa os impostos para promover a natalidade, atrair os jovens que emigraram, incentivar o investimento, proteger o ambiente, combater as desigualdades e aumentar os salários. Muitos objectivos para duas ferramentas fundamenais: IRS e IRC.

Uma das medidas inovadoras do PS é a que pretende usar o IRS e o IRC para aumentar os salários. Promete o PS que “será feita a redução progressiva das taxas de IRS para todos os que venham a beneficiar dos aumentos de rendimento”, obtidos na sequência do Acordo de Concertação Social a Médio Prazo. Garante ainda a neutralidade orçamental, ou seja, que esse aumento salarial não se traduz em mais receita fiscal. O mesmo promete em relação ao imposto sobre as empresas, dizendo que serão “propostos ajustamentos à estrutura do IRC que favoreçam as boas práticas salariais das empresas, em termos de valorização dos rendimentos e de redução das disparidades salariais”.

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Não se identifica no Programa Eleitoral do PS indicações sobre a forma como se pretende operacionalizar esta redução de IRS e IRC apenas para os trabalhadores e empresas que garantam aumentos de rendimentos salariais. Que, supõe-se, somam-se ao compromisso de concretizar já em 2022, e com retroactivos, o desdobramento de escalões que estava previsto na proposta de Orçamento de Orçamento, chumbada no Parlamento a 27 de Outubro de 2021, e que se traduz em menos 150 milhões de euros de receita.

Em matéria de IRC, a medida mais emblemática é a de acabar com o Pagamento Especial por Conta, praticamente já em vigor. Além disso, o PS pretende “reforçar” a dedução à colecta dos lucros investidos.

O PSD usa também a política fiscal, no seu programa eleitoral, para promover a natalidade, melhorar a competitividade, combater as desigualdades e proteger o ambiente. Mas, tal como Rui Rio disse num dos debates, as medidas adoptadas começam pelo lado da oferta, não existindo qualquer medida de utilização dos impostos para levar a aumento dos salários. A promessa de redução do IRS, traduzindo-se num aumento do poder de compra, não se concretiza logo nos primeiros anos da legislatura e está enquadrada na gestão das finanças públicas.

Já a redução da taxa de IRC enquadra-se nos objectivos de melhorar a competitividade. A promessa de reduzir a taxa de 21% para 17%, de forma faseada em 2023 e 2024, assim como a diminuição da taxa para as Pequenas e Médias Empresas (PME) de 17% para 13%, com a subida do limite, de 25 mil para cem mil euros, para as que tenham sede no interior é a medida de curto prazo e emblemática do PSD. Compromete-se ainda, sem detalhes, com um “regime simplificado revisto” em matéria de IRC para as PME.

Identifica depois, tal como o PS, um conjunto de medidas para incentivar o investimento, a capitalização e a inovação. Os dois partidos prometem rever os benefícios fiscais. O PSD diz que avançará com “uma revisão global e extensa dos benefícios fiscais às empresas” para os adaptar “às novas circunstâncias e objetivos de política económica” sem mais detalhes. Os socialistas comprometem-se igualmente a rever os benefícios fiscais, mas enquadrados na fiscalidade verde – avaliando os que contradizem os objetivos de defesa do ambiente – e avançando com regras mais exigentes.

Em matéria de fiscalidade verde, os sociais-democratas prometem neutralizar o aumento de receita gerada por essa tributação, afirmando, nomeadamente, que “as medidas na fiscalidade verde serão neutras do ponto de vista orçamental, com o aumento de receita a ser compensado com redução no IRS e IRC”.

É também no IRS que a proposta do PSD se distingue da do PS. Os sociais-democratas nada dizem sobre o curto prazo, comprometendo-se a reduzir de forma mais significativa a carga fiscal das famílias, com especial relevo para a classe média, e a estimular a poupança. A redução do IRS está planeada para 2025 e 2026, os dois últimos anos da legislatura, no valor equivalente a 400 milhões de euros e com 75% desse montante a ser dirigido para os escalões de rendimento até aos 60 mil euros por ano.

Para a poupança, o PSD propõe-se reduzir a tributação do rendimento das pequenas e médias poupanças e promete que será possível deduzir no IRS parte dos montantes aplicados em Planos Poupança Reforma. A poupança é apenas referida no programa do PS na sua ligação com a segurança social, afirmando que pretende estimular a adesão aos certificados de reforma e “a outras poupanças de natureza idêntica”.

Em matéria de impostos, o PSD promete ainda reduzir o Imposto Municipal sobre Imóveis a partir de 2024 e recupera uma proposta de Rui Rio de reduzir temporariamente o IVA praticado na restauração, de 13% para 6%, entre Julho de 2021 e Dezembro de 2023.

Em matéria de burocracia, quer o PS, quer o PSD referem a necessidade de simplificar o sistema fiscal, com os sociais-democratas a irem mais longe e a abrangerem mais matérias. Os socialistas recuperam o Simplex mas são bastante recuados em matéria de Justiça.

Diz o programa eleitoral do PS que se pretende “prosseguir e aprofundar o Programa Legislar Melhor”, enquanto o PSD promete “produzir uma alteração profunda na forma de produção legislativa, reduzindo os custos de contexto e a burocracia”. E em matéria de justiça administrativa e fiscal, o PS diz que pretende “aumentar a capacidade de resposta da jurisdição administrativa e tributária”, enquanto o PSD pretende avançar com o que diz ser uma “reforma urgente da legislação administrativa e tributária, com uma forte simplificação dos processos”, comprometendo-se ainda a criar “um plano de contingência para recuperação de atrasos processuais”.

Olhando para os dois programas apenas na perspetiva dos impostos e da redução da burocracia, com especial revelo para os procedimentos administrativos e fiscais, o PSD compromete-se a ir mais longe do que o PS. Além disso, estamos, de facto, perante duas abordagens que se diferenciam quanto ao caminho que consideram ser o ideal para garantir o crescimento da economia. Os socialistas concentram-se fundamentalmente no uso da política fiscal para dirigir a economia no sentido do aumento do poder de compra por via da subida dos salários. Os sociais-democratas optam por reduzir primeiro os impostos às empresas e focam-se na redução da carga fiscal como um todo. Ainda que os dois tenham uma construção de incentivos às empresas que os aproxima.

Não há promessas de “bacalhau a pataco”, no sentido de se correrem grandes riscos. Os dois se mostram conscientes da restrição orçamental que o País enfrenta, dada a sua dívida pública. Mas o PSD assume mais compromissos em matéria de descida de impostos, já que o PS, além da descida do IRS, que vem do Orçamento chumbado para 22, pouco diz sobre o que fará mais, nomeadamente como vai usar os impostos para fazer aumentar os salários.