Daqui até 26 de Maio, faltam menos de três meses para as eleições europeias e é o próprio Parlamento de Estrasburgo que tem estado a divulgar projecções dos possíveis resultados da votação, cujo eco chegou a Portugal e sobretudo a Espanha, que terá um peso maior no próximo Parlamento devido a estas projecções já excluírem o Reino Unido. Há vários dados importantes a assinalar de natureza político-parlamentar mas há também muitos pontos de interrogação.
Comecemos por estes últimos. O primeiro é que o Brexit não está adquirido. Publicações relevantes como o Financial Times ainda não deitaram a toalha ao chão e continuam a pugnar pela permanência do Reino Unido na UE para lá de Março, eventualmente até um segundo referendo que talvez virasse o eleitorado, mobilizando os eleitores mais jovens que se abstiveram no referendo de 2016. Neste caso limite, muita coisa teria de ser revista em função da representação dos partidos britânicos.
O segundo aspecto problemático destas projecções feitas pelo Parlamento Europeu é que não são sondagens, limitando-se a «projectar» as actuais sondagens nacionais em futuras representações partidárias europeias. Ora, não é certo que as votações para o Parlamento Europeu em cada país repitam daqui a três meses as sondagens actuais, já que a dimensão europeia da votação desfocará de algum modo as dimensões nacionais de cada eleitorado. Além disso, é certo e sabido que as taxas de participação serão muito mais baixas do que nas eleições nacionais, fazendo assim emergir em termos percentuais os sentimentos pró- e anti-europeístas de forma desproporcionada (em 2014, em Portugal votou menos de um quarto dos eleitores).
Por outras palavras, segundo os países, são previsíveis desvios mais ou menos assinaláveis em relação às representações partidárias nacionais. Sendo os países maiores aqueles que mais contribuem para a feição partidária europeia, é previsível que a votação anti-europeísta em países como a Itália e a Polónia contribua para a ingovernabilidade do Parlamento Europeu. Mesmo um país pequeno como Portugal pode ser atingido pela vaga ideológica anti-europeísta no seguimento da grande recessão da última década. Um facto aparentemente menor como as novas dívidas dos bancos que não cessam de nos bater à porta (ex-BES, CGD, Montepio…) podem inspirar sentimentos anti-europeístas que afectem as votações dos partidos mais identificados com a UE, como o PS, dando voz a incógnitas partidárias como já sucedeu nas eleições de 2014.
Sejam quais forem as indicações que a votação para o Parlamento Europeu terá para a situação portuguesa e, concretamente, para as eleições legislativas de Outubro próximo, o que é praticamente certo, de acordo com as projecções de Estrasburgo, é que o desaparecimento do Reino Unido, onde dominavam os dois partidos – Conservador e Trabalhista – que, por seu turno, partilhavam a maioria absoluta dos votos no Parlamento Europeu detida pelos Social-Democratas e pelos Cristãos-Democratas, essa maioria absoluta detida desde sempre irá desaparecer, segundo toda a probabilidade, tão grandes são as perdas eleitorais esperadas por ambos estes grupos, sobretudo os sociais-democratas e aparentados.
Com efeito, a três meses de distância, por grandes que venham a ser os desvios em relação as últimas sondagens feitas em cada país para as respectivas eleições legislativas nacionais, do total de 705 deputados que o Parlamento Europeu irá ter depois do Brexit, os dois grandes blocos perderiam entre 20% e 30% dos votos, deixando assim de ter a maioria absoluta em Estrasburgo pela primeira vez, ficando em conjunto com cerca de 300-320 deputados – a 30 ou mais da maioria. Sobretudo quem irá perder é o bloco socialista (com 25-30% de perdas à escala europeia) enquanto o bloco «popular» perderá entre 15-20%.
Quem recolhe os votos perdidos é o grupo dos Demo-Liberais, que expectavelmente recuperará os votos do agrupamento do presidente francês, Emmanuel Macron, e atingirá em conjunto 70 ou mais deputados, que irão juntar-se, presumivelmente, à antiga maioria bi-partidária, a qual ficará assim dependente de um terceiro grupo de partidos de diversos países, para constituir maioria no Parlamento Europeu. É fácil imaginar a fragilidade deste conjunto de famílias políticas – provenientes de uma série de países com interesses variados – quando chegar o momento de tomar decisões difíceis tanto para a comunidade europeia como para a concorrência externa.
Por último, as diferentes facções anti-europeístas somarão em princípio uma minoria ruidosa de cem «activistas» que em nada facilitará a tomada de decisões. Do ponto de vista da política europeia, os resultados das próximas eleições irão representar cada vez mais dificuldades para um aparelho institucional inédito e de tanta complexidade como é a União Europeia. A incerteza e a insegurança que têm prevalecido no plano internacional a seguir à grande recessão só podem continuar, se não agravar-se, com as expectáveis consequências em cada país segundo a sua inteligência e a sua capacidade. As do nosso actual Governo só na aparência podem ter correspondido às exigências!