Seguiram-se muitas horas de insónia. Insónias felizes para uns, infelizes para outros. Assunção Cristas deve ter dormido bem, com o sentido da missão cumprida e a noção exacta de que esta foi a primeira grande conquista na sucessão de duras batalhas que se anunciam nesta nova era político-partidária.
Etimologicamente falando, Assunção é um nome que assenta na perfeição à líder do CDS. Assunção assume, toma para si, manifesta-se e dá especial atenção às pessoas, equipas, matérias e causas que valoriza e faz estrategicamente suas. Apostou nesta campanha eleitoral e ganhou. Começou muito cedo e não perdeu tempo. Percorreu um longo caminho para aqui chegar, e chegou.
Assunção Cristas não surpreende porque sempre foi muito clara na expressão das suas intenções, bem como na concretização das suas opções. Levantou a voz quando era preciso ouvir vozes mais coerentes e mais consistentes na oposição. Assunção foi consequente com os seus ideais e a prova de que fez o que era preciso fazer está na contagem final dos votos de confiança que agora recolheu.
O pungente resultado do PSD também decorreu da estratégia de não sustentar nem os candidatos nem a campanha. Nesta lógica, Passos Coelho também foi consequente. Não quis, não teve. Jogou pela negativa e acumulou fracassos. Seus e dos outros, como é óbvio. Pedro dormiu mal, certamente, mas foi ele quem espantou o próprio sono.
Isaltino, esse, deve ter passado a noite em claro, mas por razões completamente distintas. Reconduzido em ombros à presidência da Câmara do concelho mais letrado do país, chegou com aquele seu ar de homem sério, pensador e estudioso, a mostrar que é o salvador natural daquela parcela da pátria. Não deve ter conseguido conciliar o sono mas só por ser humanamente impossível fazê-lo quando o riso pega e se torna compulsivo.
Curiosamente o antropónimo também condiz com Isaltino. Deriva do verbo exaltar e como o homem é, em si mesmo, uma constante exaltação de si próprio, assenta-lhe como uma luva. De um ponto de vista mais esotérico aparece com o significado de “o homem que viu o sol” e não há dúvidas de que o viu e de muitas maneiras.
Voltando a Assunção Cristas, o dia seguinte e estes que agora se seguem são decisivos para todos os que, experimentando uma certa orfandade política à direita e ao centro, olham para ela como alguém em quem podem confiar para fazer oposição. Despojada de adereços e artificialismos, Assunção lidera dizendo o que pensa e congregando as hostes dentro e fora do partido. Clara e objectiva, sabe falar, mas acima de tudo sabe ouvir. Foi inequívoca quando declarou que “em Lisboa somos certamente os líderes da oposição e a nível nacional tudo faremos para também o ser”.
Eis a novidade política que bate aos pontos as notícias de perdas e ganhos nas autarquias, as cismas comunistas e os tropeços bloquistas: a oposição ao governo tem um novo nome e uma nova sigla. Assunção Cristas empenhou-se numa dupla campanha eleitoral e durante um ano percorreu a cidade de Lisboa, mas também todo o país. Ganhou notoriedade sozinha, sem estar em coligação, deu-se a conhecer para lá do seu trabalho como super ministra em cúmulo de ministérios, e criou proximidade. Agiu com tempo e precisão. Cirúrgica e incisiva operou de tal maneira que muitas feridas começaram a cicatrizar dentro e fora do CDS.
Ao contrário de alguns ex-líderes do seu partido, Assunção Cristas não pretende dividir para reinar, muito pelo contrário. Cultiva uma atitude de superação apostando na coesão interna a partir da certeza de que não existe unidade sem liberdade. Liberdade de querer estar e querer acreditar tanto como ela que é possível chegar mais longe e ter cada vez mais peso político.
Assunção Cristas não chega com ar de salvadora da pátria, como fizeram alguns dos políticos agora eleitos ou reeleitos em todas as áreas do espectro político-partidário, mas com a consciência severa de que a oposição ao actual governo foi ficando desguarnecida, como que desaparecida em combate. Independentemente de gostarmos ou não da sua maneira de falar e agir, de lhe darmos ou não votos de confiança, Assunção aparece com a força da coerência e da transparência num tempo em que facilmente se perpetuam nebulosas e os cidadãos deixam de saber em quem confiar.
À esquerda, assim como nas esquerdas desta mesma esquerda, tudo é muito mais evidente e todos sabemos com quem contamos porque houve uma grande renovação e surgiram novos protagonistas capazes de comunicar e influenciar. Faltava, no entanto, uma voz como a de Assunção. Fazia falta alguém do outro lado para calibrar a acção política e contrapor ideais.
A partir de agora e enquanto o PSD não se reorganizar, os cidadãos que não se revêem neste governo nem nos que o apoiam, podem contar com Assunção Cristas, que não só revelou fibra política, como tem armas para o combate e gosto neste mesmo combate. Assunção foi a votos sozinha e ganhou sozinha, com a sua equipa e o apoio do seu partido, cada vez menos dividido. Não precisou de coligações nem de apoios de outros partidos, e não deixa de ser extraordinário que esta vitória aconteça num tempo em que se fazem as coligações mais mirabolantes para gerar os entendimentos mais surpreendentes.
Assunção assumiu os riscos, fez-se à estrada, chegou onde queria e mais além. Não ganhou as eleições nem se autoproclamou a grande vencedora das autárquicas, mas ocupou por mérito próprio o espaço estratégico da oposição. Um espaço que se esvaziava assustadoramente e com ela recupera relevância, força, ideias e pessoas.