Sim, foi inevitável. O trajeto de 2020 não permitiu que nada continuasse dentro de padrões de normalidade. E, dentre muitas mudanças bruscas, complexas e doloridas, o home office apareceu sem que ninguém pudesse bem entender se aquilo seria uma forma de salvação ou um mergulho definitivo no caos.
Existe uma diferença muito grande entre trabalhar em casa sendo um profissional autónomo e fazer home office sendo um empregado, tendo chefe, cobranças e metas. Nenhum dos formatos é minimamente fácil, mas quando a gestão do tempo fica sob nosso encargo, com alguma autonomia — para o bem e para o mal —, as coisas se acomodam de uma certa maneira. Mas quando há um superior e há colegas, a coisa muda muito de figura.
Fiz uma palestra numa grande empresa que pesquisou, com os seus psicólogos, o nível de adaptação de seus empregados ao home office. Os números foram assustadores. Obviamente que, num cenário de pandemia, nada vai especialmente bem. Mas as queixas não eram difusas. Eram claras e pontuais. Frases como “meu superior não respeita limites horários”, como “os colegas que não têm filhos não compreendem que, num dado momento do dia, precisamos parar de trabalhar” e até mesmo “me são solicitados trabalhos no meio da madrugada” foram mais do que frequentes.
É preciso falarmos sobre isso. A simples expressão home office já é complicada, pois não nos deixa diferenciar o que é a nossa casa, nosso lar e o que é nosso escritório, nosso trabalho. Não há mais um ato de sair de um lugar e entrar em outro. Tudo se transformou numa grande nuvem confusa. E já sabemos que, mesmo que haja vacina ou até na remota hipótese de erradicação da doença, as coisas não voltarão a ser como eram.
As empresas já perceberam a economia que podem fazer com escritórios menores, deixando muita gente a trabalhar em casa. E, com a crise que se inicia, essa economia também se mostra fundamental para a sobrevivência de muitos negócios. Mas a questão que se coloca é: haverá uma definição de limites? Haverá compreensão de que nem todas as casas são iguais? Horários serão respeitados?
Uma amiga me disse outro dia que seu chefe falou para ela e outras colegas de trabalho: eu jamais conseguiria ser casado com uma de vocês. Nunca conseguiria aceitar que minha mulher trabalhasse nos horários e na intensidade que vocês trabalham. Acho que essa história resume tudo. Porque quem comanda a equipe é ele. E ele mesmo afirma que aquilo não é sensato.
Haverá uma reflexão séria acerca disso? Haverá debate nas empresas, nas equipes, nos lares e na esfera pública? Compreenderemos que, sem um rumo pensado com cuidado, a tendência dessas novas formas de trabalho pode ser verdadeiramente catastrófica em termos de saúde física e mental? Falemos sobre isso antes que o home office enlouqueça todos os trabalhadores.