1Há uns tempos, esteve um electricista em minha casa a fazer uns serviços. Falámos de vários assuntos. A situação política não foi excepção. A certa altura, já emocionado, o homem diz-me isto: “sou uma pessoa modesta que nunca gastou mais do que tinha. Já paguei a minha casa e não devo dinheiro a ninguém. Felizmente, os meus filhos também não. Repito, não devo dinheiro a ninguém. Então porque é que dizem que eu devo 50 mil euros ou lá o que é (agora são 77 mil euros). Quem deve é o Estado.” Quando respondi que o Estado éramos todos nós, o homem encolheu os ombros e olhou para mim num misto de tristeza e resignação.
Daqui retirei duas certezas. Primeiro, que a maior parte da população não faz ideia do que é o Estado, nem o que significa. Vota sem o conhecimento real das implicações dum voto. Segundo, que é necessário encontrar uma oratória acessível para educar e elucidar os cidadãos. Até lá, as escolhas não serão responsáveis nem livres.
2Decência, coragem e altruísmo. É isto que falta à política portuguesa. Direi até que é o que falta à sociedade portuguesa. Muito pela acção dos nossos políticos. O exemplo que dão aos cidadãos é deplorável. Só olham para o seu umbigo e para os seus interesses. Não procuram informar os cidadãos, só difundir as suas propostas. Mentem, enganam, omitem, escondem, etc. Fazem uns aos outros o que não gostam que lhes façam. São binários – uns estão sempre certos, os outros sempre errados – incapazes de dialogar e de chegar a compromissos. São cínicos e sectários, exigindo um tratamento de excepção que não gostam que seja dado aos outros. E passam a vida a dizer que estão aqui para servir o povo quando na realidade servem-se dos meios que o povo lhes confiou temporariamente. Há mais Estado Novo na III República do que no próprio Estado Novo. Refiro-me à conduta dos políticos portugueses. Não há dúvida de que vivemos (n)A Democracia da Obediência.
O problema agrava-se por percebermos que não há esperança nas juventudes partidárias. São autênticas escolas de “boys”, praticantes do caciquismo, peritos em arregimentar apoios de modo a chegar ao poder. Repetem o que viram ser feito não respeitando a pluralidade de ideias e ostracizando quem não pensam como eles. Quem desrespeitar a ortodoxia vigente é desprezado. A união dentro do partido não é objectivo. Pelo contrário. Promovem a divisão pelo facciosismo para aumentar o controlo do partido. Até os partidos novos não são exemplo. Apesar de novos, já estão pejados de vícios velhos. Em suma, a política portuguesa é um círculo vicioso cheio de viciados.
3Precisamos de capacitar os portugueses para a cidadania. Necessitamos de promover a Audácia para Ousar. É urgente criar as condições para o pensamento crítico. Nenhuma sociedade evolui com cidadãos que se limitam a repetir o que ouvem em vez de pensarem criticamente sobre o que vivenciam.
A melhor maneira de empoderar a sociedade é precisamente pelos cidadãos. Isso requer possibilitar que estes percebam que os seus direitos têm limites e que os seus deveres têm consequências. Quer quando participam, quer quando optam por negligenciar essa participação. A soberania só é exercida pelos cidadãos quando estes participam na democracia.
4O caminho para capacitar os portugueses passa por lhes dar informação e prestar contas. A lição mais importante que deve ser retirada do caso que abalou a política portuguesa é a urgência em tornar a transparência como a norma e a prática da conduta política, e a necessidade de regular o lobby como actividade. Mas atenção que a regulamentação do “lobbying” não pode ser elaborada para proteger os titulares dos cargos públicos. O pressuposto tem de ser sempre o interesse dos portugueses – era só o que faltava. Que a Procuradoria-Geral da República só investigasse os casos que são do interesse do PS, ou de qualquer outro partido que esteja no Governo.
5Depois disso, há que incentivar comportamentos e atitudes através de valores (humildade, coerência, compaixão, empatia, integridade, paixão, pedagogia e verdade) para:
a) Não ter medo de errar, nem de reconhecer erros para os corrigir;
b) Discutir assuntos e não pessoas;
c) Aceitar argumentos contrários quando lógicos e racionais;
d) Ser críticos connosco mesmo e com as nossas ideias;
e) Promover a primeira forma de participação em democracia – perguntas;
f) Evitar ser definido pelo que não gostamos – ser pró e não anti;
g) Optar pelo caminho mais difícil – carácter;
h) Não comprometer valores – defender o que pensamos sem procurar agradar, sem ser dogmático e sem ceder a populismos;
i) Ter o discernimento de perceber até onde (ou quando) insistir.
6Se for este o tipo de comportamento que norteia a conduta individual, quando os cidadãos derem o salto da cidadania para a política, a mesma será guiada pela coragem, decência e altruísmo. Só assim haverá a capacidade de dizer não e de ser a mudança que queremos ver. Tal exemplo influenciará de forma profunda todos os cidadãos. E existirá a consciência de que o exercício dos cargos públicos implica responsabilidade por coisas que foram confiadas e não dadas, e que as decisões políticas terão impacto em várias gerações. Será naturalmente que farão o que é necessário e não o que é popular.
Qual dos actuais políticos dirá isto? Praticamente nenhum político apoiará a Audácia para Ousar. Apesar de saberem que a participação dos cidadãos na política é imprescindível.
Ora, nada disto acontecerá de repente e de uma vez. Será timidamente, passo a passo. Certezas? Duas! Primeiro, enquanto os cidadãos portugueses não mudarem, a forma de estar e de fazer política não mudará; Segundo, sou realista. A probabilidade de isto acontecer é muito baixa.
Mas fica lançado o desafio.