Não vou rever estatísticas porque outros já o fizeram e porque o que interessa é fixar o facto de que a principal causa patológica de morte em Portugal – estou a excluir da análise as pessoas que morrem por senilidade, em que o componente de perda de débito sanguíneo nos vasos está sempre presente – está relacionada com doenças cardiocerebrovasculares, ou melhor, cardio-cerebro-vasculares enquanto contínuo dependente de lesões arteriais que determinam a diminuição do aporte de oxigénio aos tecidos do coração e do cérebro. Isto acontece porque os vasos ficam, progressivamente, com o seu calibre diminuído e entopem.

Estas doenças, além de matarem, são geradoras de grandes incapacidades, muitas vezes com sequelas definitivas. A questão que nos deve interessar é que estas doenças matam e incapacitam prematuramente, o que quer dizer que afetam pessoas com menos de 65 anos, e são preveníveis. Pode-se prevenir o seu aparecimento e a incapacidade ou morte que delas resultam.

Para que seja possível a intervenção preventiva interessa-nos seguir o modelo clássico. Ao nível da prevenção primária, aquela que ocorre antes da doença acontecer, é necessário continuar com políticas conducentes à erradicação do tabagismo, à diminuição do consumo de sal para contribuir para a diminuição da hipertensão arterial, à diminuição dos excessos de lípidos no sangue, corrigir a pré-diabetes e implementar o exercício físico. São intervenções com a intenção de promover estilos de vida mais saudáveis que devem ser conduzidas a partir dos cuidados primários, com a integração na educação para a saúde que deve ser prosseguida nas escolas, em todos os níveis de ensino, e pela comunidade através de associações de cidadãos e das autarquias.

Ocasionalmente, em situações já caracterizadas e só nessas, pode haver lugar a intervenções farmacológicas precoces com intenção preventiva. É também nestes patamares de intervenção que se podem desenvolver ações de prevenção secundária, os rastreios que vão descobrir a doença “silenciosa”, com cobertura populacional e começando em grupos etários progressivamente mais novos.

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Em termos de prevenção terciária, aquela que decorre com o tratamento da doença e a reabilitação de incapacidades, será necessário que a rede de cuidados primários possa tratar as situações de doença crónica, prevenindo a progressão da doença arterial, e a assistência hospitalar seja capaz de receber em tempo útil os doentes com suspeita de doença arterial aguda, diagnosticá-la e tratá-la, de forma efetiva e eficiente, em tempo útil.

Devo acrescentar que as doenças cardio-cerebro-vasculares, aqui juntas no mesmo saco, o que se pode aceitar pela convergência de etiologias e processos patogénicos, estão também interligadas com outras doenças, como sejam a diabetes mellitus, a insuficiência cardíaca, as alterações do ritmo cardíaco e as demências, só para citar alguns exemplos. Por outro lado, a presença de uma doença arterial condiciona toda a vida da pessoa e daí que tenha implicações na forma como se podem tratar outras patologias como, por exemplo, um cancro. Parece óbvio, por conseguinte, que seja essencial manter artérias em boas condições de funcionamento.

Qualquer intervenção sobre a saúde obriga a ações em que haja coordenação, cooperação, interação e complementaridade. No que se prende com as agências do Ministério da Saúde, é fundamental que a Direção-Geral da Saúde implemente programas de promoção da saúde e de prevenção primária e secundária, a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) faça chegar o dinheiro a onde ele tem de ir e no tempo certo e que o Infarmed avalie as tecnologias, não apenas medicamentos, a usar em cada momento e para cada doente.

É ainda essencial que o Instituto Nacional de Emergência Médica transporte os doentes com a rapidez exigível e a Direção Executiva, na nova formulação que ainda aguardamos, seja capaz de fazer com que os  níveis de cuidados integrados em unidades locais de saúde funcionem em contínuo, em todos os níveis da prevenção, que as respostas necessárias, em meios técnicos e humanos, tenham a distribuição territorial correta, as unidades de emergência estejam todas a funcionar por 24h00, em especial as vias verdes coronária e do AVC, e que seja possível assegurar o cumprimento das boas práticas, nomeadamente pela verificação do aplicação das  linhas de orientação, que se desejam  efetivas e eficientes, em termos de triagem, diagnóstico e tratamento dos doentes.

Se todos os que estiverem envolvidos na diminuição da incidência destas doenças e, consequentemente, nos números de óbitos e incapacidades, trabalharem de forma coordenada, cooperante, interativa e complementar, o que terá de passar por fluxos de informação que acompanhem os doentes, criando verdadeiros “caminhos clínicos” e, desejavelmente, houver vontade política de afrontar as indústrias que contribuem para os determinantes da lesão vascular, em especial, a do tabaco e a alimentar, poderemos assistir ao aprofundamento dos ganhos que nos últimos anos foram obtidos com a otimização das vias verdes nos serviços de urgência.

Fernando Leal da Costa é especialista em Hematologia Clínica e Oncologia Médica. Professor da Escola Nacional de Saúde Pública. foi o primeiro Coordenador Nacional para as Doenças Oncológicas, subdiretor-geral da Saúde, secretário de estado adjunto da saúde e ministro da saúde. É atualmente diretor do departamento de hematologia do IPO Lisboa.

Arterial é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com doenças cérebro-cardiovasculares. Resulta de uma parceria com a Novartis e tem a colaboração da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca, da Fundação Portuguesa de Cardiologia, da Portugal AVC, da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. É um conteúdo editorial completamente independente.

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