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Miguel Mendes, Gonçalo Cunha e Rui Albuquerque avaliam doentes cardíacos para detetar precocemente doenças mentais ou neurodegenerativas
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Miguel Mendes, Gonçalo Cunha e Rui Albuquerque avaliam doentes cardíacos para detetar precocemente doenças mentais ou neurodegenerativas

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Miguel Mendes, Gonçalo Cunha e Rui Albuquerque avaliam doentes cardíacos para detetar precocemente doenças mentais ou neurodegenerativas

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Coração e cérebro. A unidade que trata doenças cardíacas e previne Alzheimer e demências

Depois do enfarte, da insuficiência cardíaca ou do transplante de coração pode chegar a desorientação ou a falta de memória. No Hospital de Santa Cruz, cardiologistas e psiquiatras trabalham juntos.

Doente cardíacos em reabilitação avaliados em consultas especializadas de psiquiatria. Este não é um circuito habitual nos corredores do sistema público de saúde. Mas é o que acontece na Unidade Local de Saúde (ULS) de Lisboa Ocidental, que junta o Hospital de Egas Moniz, Hospital de Santa Cruz, Hospital de São Francisco Xavier e alguns agrupamentos de centros de saúde da zona.

Avaliam-se pacientes com historial de problemas cardíacos, maioritariamente pós enfarte do miocárdio, mas também com insuficiência cardíaca, miocardiopatia ou pós-transplantados em reabilitação. O objetivo é detetar precocemente aqueles que apresentam dificuldades no processamento de informações e em tarefas mentais como atenção, raciocínio e memória, para estudo e tratamento no Hospital de Egas Moniz.

Tudo começa no gabinete de Rui Albuquerque, responsável pela psiquiatria da Unidade de Reabilitação Cardíaca do Hospital de Santa Cruz e pela psiquiatria de doenças da cognição do Hospital de Egas Moniz. “O que se está a desenvolver é o acesso atempado dos doentes coronários já diagnosticados, e sob tratamento numa unidade de reabilitação cardíaca, a um estudo cognitivo que de outra forma não seria feito”, diz o professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.

Rui Albuquerque é médico psiquiatra e estuda os doentes que sofreram um evento cardíaco para identificar quem deve ser acompanhado na consulta de psiquiatria do Hospital de Egas Moniz

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

O trabalho clínico é sobretudo feito em contexto hospitalar. “A doença cardíaca e o tratamento em unidade de reabilitação cardíaca são decisivos para a deteção de doentes simultaneamente cognitivos — sabendo-se que a doença coronária coexiste com doença cerebrovascular e é fator de risco para doenças neurodenegerativas, como Alzheimer.”

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Esta avaliação clínica surge com base em dados relevantes. “O que sabemos, da evidência científica, é que cerca de um terço dos doentes que acabam por frequentar as unidades de reabilitação cardíaca têm aquilo que é o ‘defeito cognitivo’, um conjunto de sintomas em que as pessoas têm uma falha de memória, mas não suficientemente grave para causar impacto no dia a dia.” E o que se sabe também, acrescenta, é que os fatores de risco cerebrovasculares são os mesmos para as doenças cardiovasculares.

Gonçalo Cunha, coordenador da Unidade de Reabilitação Cardíaca do Hospital de Santa Cruz, confirma que assim é. O que se sabe, neste momento, é que uma em cada três pessoas com doença cardíaca tem algum tipo de doença cognitiva, como Alzheimer, outras demências, funções comprometidas como a memória e a orientação no tempo e no espaço. Há várias explicações para esta associação. “A mais óbvia é o facto de os fatores de risco para a doença cardíaca e para a demência vascular serem os mesmos, por exemplo, tensão arterial elevada, tabagismo, diabetes, colesterol elevado, obesidade, sedentarismo”, diz o cardiologista.

A ponte entre doenças cardíacas e cognitivas não é habitualmente feita no sistema de saúde. O trabalho feito no Hospital de Santa Cruz investe neste campo, sobretudo por prevenção. "Importa perceber que há queixas cognitivas, porque estamos a falar num doente que é um barril de pólvora para vir a desenvolver uma doença neurodegenerativa”, diz o psiquiatra Rui Albuquerque. 

Uma pessoa que teve um enfarte do miocárdio, por obstrução de uma artéria coronária, está também em risco de ter uma doença cerebrovascular. “Com o tempo, podem ocorrer obstruções de artérias cerebrais de pequeno calibre que podem contribuir para estados de defeito cognitivo. Por outro lado, também sabemos que muitos dos fatores de risco para a doença coronária são os mesmos para a doença de Alzheimer”, diz o especialista.

A ponte entre doenças cardíacas e doenças cognitivas não é habitualmente feita no sistema de saúde. Ou seja, o acompanhamento de doentes nas duas áreas não tem sido devidamente explorado em termos clínicos, acredita o psiquiatra Rui Albuquerque. O trabalho feito na Unidade de Reabilitação do Hospital de Santa Cruz investe neste campo por várias razões, desde logo por uma questão de prevenção, quando há cada vez mais enfartes em pessoas mais novas, com 35 e 40 anos. “São doentes muito jovens que já estão a acumular grandes riscos para futuramente desenvolverem doença cognitiva.”

Por ano, entram cerca de 120 doentes nesta unidade de reabilitação cardíaca. A intervenção clínica entre cardiologia e psiquiatria começou em fevereiro do ano passado e, até ao momento, foram identificados 44 doentes para avaliação, 30 homens e 14 mulheres, com uma idade média de 58 anos (55 anos neles, 65 nelas).

Testes para detetar funções mentais comprometidas

Os doentes cardíacos com síndrome coronário agudo, com sinais de depressão e ansiedade e queixas cognitivas são avaliados. Todos os meses, e dada a capacidade limitada da unidade, entra um novo grupo de doentes, entre oito e dez, que respondem a vários questionários — um deles é a escala hospitalar de ansiedade e depressão. Depois são encaminhados para a consulta de Rui Albuquerque, onde, através da entrevista e da observação clínica, são detetados os falsos positivos e os falsos negativos, e procura outros sinais. “Quando as queixas cognitivas surgem, mesmo que o doente não tenha sintomas de depressão e de ansiedade, é canalizado para a consulta do Hospital de Egas Moniz, e todo o estudo complementar é feito lá.”

Trata-se, portanto, de um grupo específico que é avaliado porque tem sintomas que não passam despercebidos. “O que importa é perceber que há queixas cognitivas, porque estamos a falar num doente que é um barril de pólvora para vir a desenvolver uma doença neurodegenerativa”, diz o psiquiatra.  Portanto, mesmo que os sinais sejam subtis, procuram-se alterações estruturais no cérebro, através de exames de imagem (TAC ou ressonância magnética), por não se poderem identificar através de uma avaliação clínica em consulta.” É aqui que entra a avaliação neuropsicológica: os psicólogos aplicam uma bateria de testes que tentam pôr em evidência funções cognitivas utilizadas no dia a dia e que podem estar comprometidas.

"Nos doentes coronários estamos a falar de prevenção de um segundo enfarte de miocárdio ou de um acidente vascular cerebral. Nos de insuficiência cardíaca, em diminuição das descompensações. Nos dois casos, estamos a tentar diminuir o número de novos internamentos hospitalares e ou de um evento fatal.”
Gonçalo Cunha, cardiologista

O cardiologista Miguel Mendes, fundador da Unidade de Reabilitação Cardíaca do Hospital de Santa Cruz e ex coordenador do Serviço de Cardiologia da estrutura hospitalar, diz que 20 a 25% dos doentes avaliados nessa unidade têm limitações cognitivas, quer se trate de situações pós enfarte de miocárdio ou insuficiência cardíaca, entre outros problemas de coração. “É fundamental que este défice seja identificado nas consultas médicas para se utilizarem estratégias para explicar aos doentes de forma mais simples, dirigida e demorada, a doença, as causas de agravamento, assim como todos os cuidados que será necessário observar para garantir melhor qualidade de vida e longevidade.”

Na maior parte dos casos, a doença cardíaca é crónica, pelo que “é preciso garantir que o doente, apesar das suas limitações, vai manter a adesão às medidas de estilo de vida saudável, à nutrição e à medicação que lhe foram recomendadas a longo prazo.”

Os doentes chegam ao hospital como pacientes cognitivos e são analisados através de exames complementares de diagnóstico, uma TAC, ressonância magnética, estudo do sono, avaliação neuropsicológica. Para não tratar demasiado tarde, para não começar a cuidar quando o problema está demasiado instalado. “Também sabemos que a grande maioria dos doentes que acaba por desenvolver doença cognitiva neurodegenerativa, como doença de Alzheimer, tem sempre sintomas afetivos na sua fase inicial, sobretudo depressão e ansiedade”, diz Rui Albuquerque. “Quando chegam à avaliação, quer em psiquiatria, quer em neurologia, já vão numa fase muito avançada da doença”.

E há outro problema: a falta de rastreios aos doentes cardíacos e às doenças cognitivas. “Não estão recomendados rastreios de doença coronária a pacientes que já têm doença cognitiva ou tiveram um AVC.” O Programa Nacional das Doenças Cérebro-Cardiovasculares, acredita o psiquiatra, está muito voltado para a recuperação pós-AVC, sobretudo a nível motor. “Temos muitos indivíduos com a dita doença cerebrovascular, cujos membros funcionam bem, mobilizam-se bem diariamente, não têm problemas na comunicação verbal, mas já têm doença cognitiva que está a evoluir – e que poderá ser uma doença de Alzheimer a desenvolver-se.”

Evitar um segundo enfarte, reduzir a probabilidade de morrer

A Unidade de Reabilitação Cardíaca do Hospital de Santa Cruz abriu em 2016, com edifício próprio e grupo técnico preparado. Três anos depois, segundo Gonçalo Cunha, “havia 25 centros deste género no país, 16 públicos e nove privados”. Nesse ano, 2182 pessoas foram reabilitadas, o que, pelos cálculos do médico, corresponde a 20% do universo de cerca de dez mil pessoas que sofrem um enfarte de miocárdio todos os anos em Portugal.

Os doentes são incluídos num programa de treino personalizado e monitorizado por uma equipa de fisioterapeutas e inclui outras intervenções que, no conjunto, reduzem o risco de morte cardiovascular

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Os programas de reabilitação cardíaca são relativamente homogéneos a nível nacional, segundo o cardiologista, que explica como tudo funciona. Após o enfarte, o doente é reencaminhado para essa estrutura, avaliado por um cardiologista ou fisiatra. Posteriormente, faz uma prova de esforço cardiorrespiratória, que permite prescrever a intensidade do exercício. O doente é incluído num programa de treino personalizado e monitorizado por uma equipa de fisioterapeutas durante um número variável de sessões, geralmente entre 26 e 52.

Durante o período de treino, o paciente faz análises para controlo dos fatores de risco cardiovascular e é avaliado pela enfermagem, nutricionista, psiquiatria, e tem sessões de ensino sobre a doença e o seu tratamento, de forma a promover a educação para a saúde. Rui Albuquerque também entra nesta última parte para falar de estilos de vida saudável – de exercício físico, alimentação, tabagismo, consumo de álcool, saúde mental positiva.

No fim do programa, o doente repete a prova de esforço para avaliar o benefício da intervenção e atualizar a prescrição do exercício a fazer. E é então encaminhado para um centro com experiência em treino de pacientes pós enfarte e, nos casos de menor risco cardiovascular, para ginásios.

Há um problema grave no SNS, acredita Rui Albuquerque: o Programa Nacional das Doenças Cérebro-Cardiovasculares está muito voltado para a recuperação pós-AVC, sobretudo a nível motor. “Temos muitos indivíduos com doença cerebrovascular que se mobilizam bem diariamente e não têm problemas na comunicação verbal, mas já têm doença cognitiva a evoluir – e que poderá ser uma doença de Alzheimer a desenvolver-se.”

Na ULS de Lisboa Ocidental, a ligação entre cardiologia e psiquiatra é constante e pode fazer a diferença. Os pacientes que entram numa unidade de reabilitação são sujeitos a sensações físicas que não estavam habituados, quando, por exemplo, são colocados numa passadeira ou numa bicicleta estática, podem sentir desconforto, falta de ar. “E surge então aqui o contexto de associar estes sintomas físicos fisiológicos normais à atribuição de valor a um novo evento cardíaco. E, muitas vezes, na base está uma ansiedade não controlada”, afirma Rui Albuquerque. Aqui, o papel da psiquiatria tem que ver com tratar o que se agravou depois de um evento cardíaco e, de alguma forma, controlar a ansiedade.

“A reabilitação cardíaca é extremamente importante porque reduz a probabilidade de morte de causa cardiovascular”, diz Gonçalo Cunha. Após um enfarte de miocárdio, todas as intervenções que envolvem várias especialidades permitem ao doente retomar a sua vida e reduzir a possibilidade de um novo enfarte. “Alterar estilos de vida, perder peso, iniciar um programa de exercício com segurança, reduzir os níveis de ansiedade e depressão (comuns após o enfarte). E assim reduzem em cerca de 25% a probabilidade de morrer de causas cardíacas.”

Com esta intervenção clínica, e um circuito pouco habitual para o doente cardíaco que é avaliado nas suas funções cognitivas, pretende-se, no fundo, prevenir, segundo Miguel Mendes. “Nos doentes coronários estamos a falar de prevenção de um segundo enfarte de miocárdio ou de um acidente vascular cerebral. Nos de insuficiência cardíaca, em diminuição das descompensações. Nos dois casos, estamos a tentar diminuir o número de novos internamentos hospitalares e ou de um evento fatal.”

Arterial é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com doenças cérebro-cardiovasculares. Resulta de uma parceria com a Novartis e tem a colaboração da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca, da Fundação Portuguesa de Cardiologia, da Portugal AVC, da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. É um conteúdo editorial completamente independente.

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