Os partidos políticos ensaiam os pormenores das suas companhas, tudo importa, desde que isso impressione e traga votos: as palavras, as fotografias, as promessas e, principalmente, a dissimulação. Neste jogo de sombras a sugestão e a retórica têm um papel fundamental, serve para condicionar os adversários, alimentando a expectativa de que os eleitores indecisos, no último momento, possam escolher e fazer a diferença. É assim, sempre foi assim, mas parece que é sempre diferente. A memória dos eleitores desvanece-se nas brumas de casos e casinhos, principalmente, se a sua vidinha é esquecida na constelação noticiosa. Nesse caso, o aumento dos preços parece ficção, e as horas de espera nas urgências dos hospitais dilui-se na espuma dos dias.
A crise política com a queda do governo trouxe outros epicentros que ameaçam abanar a coesão da liderança de Luís Montenegro, que também não esperava eleições e desejava arrumar a casa. A incerteza de uma vitória eleitoral apressou um parto prematuro, embora adotando o nome dos avós: Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Ribeiro Teles. Hoje é tudo diferente. A direita não é a mesma, o país mudou e os líderes não têm o prestígio dos protagonistas da Aliança Democrática de 1979. Não basta vestir Prada para se ser Papa. As fragilidades da direita apressaram-na a lançar um bote à água. Em política a aritmética é cega, não basta juntar as parcelas e esperar que a resultante seja mais do que a soma das partes. Há outras variáveis que condicionam a estratégia.
Assistimos a uma pescaria do Chega nas águas turvas de Montenegro, aumentando a ondulação e as incertezas. A transferência de alguns nomes, a que o Chega quer dar relevância para maquilhar a má imagem que construiu, não é suficiente para ser credível e respeitável, é um exercício fracassado à nascença. Quem se presta a essas transferências não precisa de avaliações éticas, pelo contrário, diz mais de cada um do que do Chega. Os que esperam reconhecimento na piscina de Ventura, depois de terem rasgado os valores de Sá Carneiro, só podem encontrar um cardume de crocodilos no primeiro mergulho. Divergir é legítimo, mas namorar às escondidas para retaliar é dar razão aos populismos, porque estão contra tudo, contra todos e contra o sistema. Ventura quer dançar com os descontentes, não importa se são de esquerda, do centro ou de qualquer outra cepa. Na ausência de um projeto político para o país, vai aos saldos com os desiludidos. Muitos destes sofrem de Completo de Édipo. Talvez fosse prudente consultar Cassandra.
Montenegro desvaloriza quem sai da sua horda, mas não consegue evitar o desconforto. Ficámos a saber, por Maló de Abreu, que no PSD as águas estão agitadas e “sem ideias”. Ou seja, os salteadores não se coíbem de afirmar que a nau está moribunda, que a rota devia ser outra e que assim não se vai a lado nenhum. Montenegro não consegue afirmar a sua liderança e apresentar o PSD, agora numa AD (ezinha), como alternativa credível ao PS, de Pedro Nuno Santos – que pode ganhar as eleições de março com nova maioria absoluta. Montenegro pode gritar mais alto que Ventura, isso fará com que o PS esteja cada mais próximo de uma nova vitória. O grito não é razão. O eleitorado é conservador e não vai entregar o poder a aventureiros, principalmente, os reformados que são quem decide as vitórias do centro político.
A máquina partidária do PS conta com António Costa até ao último dia de campanha, como se dissesse: – Eu ainda estou aqui, contem comigo. Durante a campanha eleitoral PNS será o Secretário-geral, mas António Costa assumir-se-á, ainda, como primeiro-ministro. A direita não vai ter vida fácil e o risco de Montenegro ser o maior derrotado, parece ensombrar já os corredores do PDS. Não há vencedores antecipados, mas PNS precisa de Montenegro para valorizar a sua vitória.
Nas últimas eleições funcionou o voto útil. Por razões acrescidas, a esquerda e o centro político voltarão a encontrar no PS o conforto e a segurança. As próximas eleições legislativas serão um bailado de incertezas à direita, onde se joga muito mais do que a eleição de deputados.