A formação das listas de deputados constitui uma das matérias mais interessantes de estudo para uma tese de doutoramento. Quem pode ser deputado da nação? Desengane-se quem pensa que são escolhidos os melhores, os mais capazes, os que não têm outros interesses que não sejam servir a pátria. A regra principal é estar no corredor do poder de um partido, ter votos para emprestar aos líderes e não ser impertinente. O que mais importa é o compromisso. Também é verdade que muitos deputados aparecem e desaparecem na voragem parlamentar. Alguns não se lhe conhece qualquer intervenção. Não se pode tomar a parte pelo todo, as generalizações são todas más.

Tivemos grandes tribunos, da direita à esquerda, mas essas referências desapareceram e, lentamente, emergiu uma vaga de jovens dos aparelhos, que pagam cotas e almoços, mal preparada, sem curriculum e, quiçá, sem mundo e muito arrogante. Quando se diz que temos a geração mais bem preparada, isso não parece acontecer no universo parlamentar. Felizmente, há deputados que honram a memória de Manuel Fernandes Tomás (1771 – 1822).

Em cada momento da vida dos partidos há um sobe e desce, uma roleta russa, onde vale tudo para ser a última bolacha do pacote. Quem manda escolhe os seus indefetíveis para os lugares supostamente elegíveis. Depois, coloca alguém da oposição interna para dar a ideia de unidade; os lugares dificilmente elegíveis são para os militantes que representam alguns sindicatos de voto ou das cotas (mulheres e jovens) é um prémio pelos relevantes serviços prestados. Muitos aceitam ir nas listas, mesmo sabendo que não são eleitos, porque isso aumenta a sua sombra quando olham o umbigo. E agora com as redes sociais já não precisam de pagar publicidade, são eles os editores da água do poço, olham-se quando querem e legendam-se.

Assistimos a uma purga no grupo parlamentar do PSD com Montenegro, o líder do momento – os deputados, supostamente, apoiantes de Rui Rio foram despedidos. A seleção começa nas Distritais (PSD) ou Federações (PS). Os líderes partidários contam com os regulamentos dos partidos que lhe dão a prorrogativa de escolherem os cabeças de lista ou mais; e, ainda, de avocarem a arrumação final nos órgãos nacionais convocados para o efeito, como aconteceu com Miguel Adrião, que estava na 5ª posição na lista em Coimbra, por proposta de PNS, mas acabou por ser expulso. O argumento com que o fizeram é muito discutível, mas, infelizmente, encaixa nos critérios necessários para se ser deputável. A incerteza é sempre muita até à aprovação final. A noite das facas longas, ou seja, a reunião magna de aprovação das listas, tem revelado surpresas que deixam feridas profundas nos partidos. Os que empurram, para entrar na carruagem a qualquer preço, estão habituados a furar, a inventarem um lugarzinho, fazem milhões de telefonemas, cobram faturas e lealdades, e, às vezes, conseguem. Eis o curriculum básico para se ser deputável.

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Apesar de Pedro Nuno Santos ter feito um grande esforço de unidade e contar com José Luís Carneiro, sabemos que não foi fácil ser cabeça de lista por Braga. Mas, talvez, PNS tenha aprendido com a geringonça a gerir as diferenças. Aqueles que mais gritam por ele, serão os primeiros a incendiar Roma se não ganhar as eleições de março. A resistência a alguns nomes, como Álvaro Beleza, em Vila Real, ultrapassa a vontade de PNS, é, ainda, uma fratura exposta de feridas antigas.

Em política as lealdades são frágeis e resistem até os compromissos serem violados. O salto de alguns deputados para a piscina do Chega já não merece insultos revisionistas. Não interessa a ideologia, nem a velha dicotomia esquerda / direita. Cinquenta anos depois do 25 de abril, a luta de classes parece ser uma questão de vexata quaestio. A coerência já não contempla as convicções políticas. Hoje, qualquer um pode ser deputável, desde que se mostre indefetível e não faça perguntas inconvenientes.

Comemorar os 50 anos de abril é uma oportunidade para refletirmos sobre a qualidade da democracia, embora haja quem se agigante aos ombros das suas oportunidades sem as merecer.

O regime não vive sem os partidos políticos, mas é preciso criar condições para que a sociedade civil encontre apetência para integrar esses feudos de dinastias orgânicas nascidas com dinâmicas distópicas, que têm objetivos claros de conquistar o poder ou de influenciá-lo.

O PS de hoje tem pouco de Mário Soares, Salgado Zenha ou António Arnaut. Tal como o PSD, parece ter esquecido o inspirador Sá Carneiro. Muitos dirão que não é bem assim. Mas enquanto os partidos tradicionais alimentarem as “claques” dos que têm pressa, muitos cidadãos não estarão interessados na vida parlamentar. É perversa esta realidade. Mas ainda é mais assustador, se pensarmos que os partidos tradicionais estão envelhecidos. Paradoxal é a prática silenciosa de idadismo, a presunção de “arrumar” os que ajudaram a conquistar e a consolidar a liberdade. Os que têm pressa, não têm experiência, são rebeldes e não têm escrúpulos, os fins justificam todos os meios, têm muita presunção que acabam a tropeçar nos seus próprios pés. O tempo de vida dos partidos tradicionais está a esgotar-se, os populismos crescem, e ser deputável parece estar ao alcance de quem tem muita ambição e pouca convicção.