Enquanto Portugal continua a navegar à deriva entre a agitação crescente e cada vez mais próxima que afecta a situação internacional e que nunca deixará de ter consequências negativas para o país, desde o Reino Unido a Hong-Kong passando pela Catalunha, o nosso primeiro-ministro permitiu-se ontem dar conselhos não só inapropriados como errados ao seu «amigo» Jeremy Corbyn, o desinspirado líder do Partido Trabalhista, sugerindo-lhe que se aliasse ao personagem que preside actualmente ao governo britânico a fim de deixar passar finalmente o «Brexit»…
Como se isso fosse opinião que se desse e como se Portugal não fosse um dos países mais directamente afectados pela eventual saída da Inglaterra da União Europeia (UE), a qual alimentaria desde logo as esperanças daqueles que nunca quiseram entrar, pretextando ou não um alegado domínio franco-alemão, como sucede com comentadores portugueses credenciados!
Ora, já lá vão mais de três anos após o referendo sobre a saída do Reino Unido da UE e não só continuamos à espera como ainda há quem não tenha percebido que a União não foi feita para entrar e sair, mas sim para aderir e participar no mais extraordinário processo democrático de integração supra-nacional existente e na sua natural tendência para o federalismo. Este último aspecto é, aliás, decisivo para a actual questão catalã, pois apesar de a Espanha já ser um dos países mais federalizados da UE, a saída da Catalunha afastá-la-ia para sempre da União, como é desejo manifesto de uns tais CDRs. Voltaremos a esta questão!
Se para os residentes do Reino Unido, naturais do país ou emigrantes como os portugueses, a questão do «Brexit» não pode ser indiferente e, nalguns casos, pode mesmo ser decisiva para além de qualquer ideologia, nem por isso é de esperar que as pessoas tenham a informação suficiente sobre as consequências imediatas da saída da UE, para não falar das de médio-longo prazo. Quem possui tal capacidade de previsão?
O que está em causa para os britânicos e os seus hóspedes, bem como para cada quem não reside no Reino Unido, são os fantasmas nacionalistas que habitam populações mais velhas, sobretudo aquelas, como a britânica, que tiveram ou acreditaram ter um peso superior na Europa e no mundo em geral. E pior do que os fantasmas dos eleitores mistificados, são os fantasmas dos políticos que fazem disso a principal arma de mobilização de um eleitorado envelhecido e ignorante do que se está a passar.
Em contrapartida, existem no Reino Unido, mas não em todas as outras sociedades, alguns princípios reguladores explícitos ou implícitos que já foram mobilizados, nomeadamente pelo Supremo Tribunal britânico, a fim de controlar as causas e efeitos imprevisíveis de meras decisões quantitativas como são os referendos e os próprios votos parlamentares, bem como as divergências entre governo e oposição. É a isto que temos assistido há mais quase quatro anos e não a qualquer cabala da UE, onde de resto o Reino Unido sempre teve um peso especial devido ao seu lugar na história da Europa.
Com efeito, é preciso não esquecer que a peregrina ideia do primeiro-ministro de então, David Cameron, de promover um referendo sobre a pertença à UE a fim de calar a boca dos ultra-nacionalistas do Sr. Farage que pressionavam o Partido Conservador, saíu inesperadamente furada. Cameron teve de se demitir e sucedeu-lhe uma senhora que, além de não ter a maioria absoluta no parlamento, também era contra o Brexit…
Em contrapartida, a Sr. May era a favor de ser primeira-ministra e, para isso, fez-se defensora do «Brexit», dando um andamento tão lento quanto possível à inesperada decisão do referendo, cujo mapa eleitoral mostra bem o carácter regressivo do eleitorado mais idoso e menos urbano, enquanto os jovens das grandes cidades se abstiveram, confiando que não passaria pela cabeça de ninguém meter-se num sarilho tal!
Foi isso que a senhora fez até ser derrubada pelos seus colegas que, tanto ou mais do que o Brexit, queriam era o poder partidário. E assim foi passando o tempo desde a eleição geral de 2015 e a de 2017! Como é conhecido, após três tentativas falhadas de aprovar o acordo, a Sr.ª May demitiu-se, dando o lugar a Boris Johnson, escolhido para 1.º ministro por umas dezenas de milhar de membros do Partido Conservador.
Pouco depois, após a última concessão da UE para o Reino Unido sair com um acordo qualquer, como o parlamento exigiu, Johnson não o conseguiu. É caso para saudar os mecanismos não manifestos da política britânica que continuam a controlar o desfecho do nefasto processo criado pelo Partido Conservador, não permitindo o tal Brexit se é que alguém realmente o quer, possivelmente até fazerem outro a fim de decidir o contrário! É caso para perguntar: a culpa é da União Europeia?