A Google tem 20 anos e o verbo googlar é um dos mais usados no século XXI. Tudo é motivo para googlarmos alguma coisa ou alguém e se, por um lado, isso nos dá oportunidades de pesquisa incríveis e nos poupa um tempo fabuloso, por outro pode-nos tirar a paz e encher-nos de medos. Note-se que nem sequer estou a pensar no lado mais obscuro da rede, a deep web, onde felizmente ninguém pode aceder simplesmente googlando. Penso na inquietação que nos assalta quando, em estado de aflição, nos dispomos a googlar uma doença ou a querer saber mais sobre um diagnóstico.
Sucedem-se as histórias de pessoas desesperadas que foram à procura de informação na net para perceberem melhor o seu estado de saúde (ou de alguém muito próximo) e deram de caras com o fim da linha de certas doenças. O susto é tremendo e o efeito terapêutico nulo. Pior: a alta ansiedade resultante de uma má pesquisa pode agravar — e muito! — o estado de saúde. Sabemos de histórias tremendas e, por isso, conto apenas uma, porventura a mais grave que conheço por ter acontecido por ‘prescrição médica’.
No auge da adolescência e numa idade em que todos os jovens estão também no auge da sua capacidade de sonhar e de acreditar que têm todo o futuro pela frente, eis que um médico, confrontado com a terrível situação de ter que dar as piores notícias a uma família com filhos ainda muito novos, começou por aconselhar a própria pessoa doente a pesquisar a sua doença na net. Não quero dizer se este episódio se passou com um rapaz ou uma rapariga, mas posso garantir que o primeiro impacto desta ‘prescrição médica’ foi devastador. Para todos, pais e filhos.
Destruiu a esperança e matou a confiança logo à partida, como é óbvio. Foram precisos anos para reparar este duro golpe e aprender a lidar com uma doença que é realmente brutal, mas pode e deve ser vivida um dia de cada vez. Começar pelo fim nunca foi boa estratégia para coisa nenhuma e, por isso mesmo, importa conter as idas à ‘consulta’ do Dr. Google.
A Visão fez recentemente capa dos riscos do uso e abuso do Dr. Google, bem como dos perigos resultantes de diagnósticos feitos na net, de prescrições de tratamentos divulgados por grupos de facebook e de mil e uma alternativas terapêuticas sem credibilidade que surgem nas redes sociais. Vale a pena ler o artigo e, neste caso, é imperativo googlar o que ficou escrito por ser um verdadeiro aviso à navegação na net.
Porque o Dr. Google pode ser uma ameaça real à nossa integridade e dar cabo da nossa saúde física e mental, é vital apostar em alternativas credíveis, 100% fiáveis e 100% seguras. É o que está a fazer a equipa de médicos e profissionais de saúde que Fernando Mena Ferreira Martins, cirurgião pediátrico, juntou para realizar um dos seus sonhos mais antigos: uma enciclopédia pediátrica online. A Pedipedia nasceu, assim, da combinação de um sonho e de uma realidade atravessada de pesadelos, pois a esmagadora maioria de pais fica muito insegura perante os sintomas de doença ou mal-estar dos seus filhos, especialmente quando são muito pequenos.
A Pedipedia, que será hoje oficialmente lançada numa sessão pública na Universidade Católica de Lisboa, a meio da tarde, é “um recurso pedagógico online, de acesso gratuito, para apoio à prática clínica, à formação na área da saúde infantil e, simultaneamente, um meio de divulgar conhecimentos práticos na área da saúde às famílias (pais e cuidadores), às crianças, aos jovens e adolescentes, que são 1/3 da população mundial”. Mas é, também, um canal privilegiado e uma possibilidade de maior cooperação na área da saúde, entre todos os países de língua portuguesa, coisa que lhe dá um alcance e uma escala infinitamente maiores.
Os alunos de Medicina e Enfermagem de alguns países lusófonos sabem bem a importância que têm os manuais de estudo online, uma vez que nos pontos mais remotos dos seus países os livros físicos são muito caros, ou de acesso impossível. No campo da Pediatria passa a existir esta ferramenta, que facilita o estudo e a formação, mas também serve para esclarecer dúvidas de profissionais já formados e, ainda, para dar respostas às inquietações das famílias e cuidadores de crianças e jovens, evitando algumas situações de pânico ou idas a correr para as urgências dos hospitais.
A ideia de criar uma Pedipedia online assenta na certeza de que o largo espetro de doenças pediátricas exige uma abordagem interdisciplinar que convoca especialistas de várias áreas e combina as múltiplas áreas médicas e cirúrgicas. A patologia pediátrica é extraordinariamente complexa, e esta complexidade obriga a uma permanente atualização de todos. Os profissionais de saúde consultam frequentemente a internet e conhecem os sites de referência (quase todos pagos e exclusivamente criados para eles), mas os pais e as famílias acabam por se perder na rede ou deixar-se enredar em equívocos, dúvidas e más práticas clínicas.
Nesta lógica e com o propósito de formar e esclarecer, a Pedipedia surge com duas versões simultâneas, em diferentes tons de azul. O mais escuro para profissionais de saúde, e o mais claro para leigos. Nas páginas dedicadas aos profissionais aparecem imagens e fotografias mais detalhadas; nas páginas concebidas para os leigos a opção recorrente são as ilustrações, pois em certas doenças ou perante certos sintomas é importante não começar por ficar alarmado.
Voltando à realidade dos países lusófonos e porque a Organização Mundial de Saúde alerta para os elevados números de mortalidade infantil em alguns dos países de língua oficial portuguesa, mas também para o baixíssimo rácio de profissionais de saúde por habitante (chega a existir um médico para cada mil habitantes espalhados por aldeias muito distantes entre si!), a existência de uma enciclopédia pediátrica em língua portuguesa, escrita e validada por profissionais de referência, vai permitir que centenas de milhares de bebés, crianças e jovens doentes sejam diagnosticados com mais cuidado e acompanhados com mais precisão. Mesmo vivendo nos antípodas.
Todos nós procuramos cada vez mais respostas na net, seja para dúvidas médicas ou outras. Neste sentido e porque a informação online nem sempre está certa ou foi certificada por profissionais competentes, somos facilmente influenciados ou levados a acreditar em informação não credível e nada aconselhável. Bem dizem a Luísa Oliveira e a Sara Sá, jornalistas da Visão, que “navegar na net, sem norte, pode ser muito perigoso”.
Acresce a esta desinformação o fato de a língua portuguesa ser a 5ª mais utilizada online, com mais de 120 milhões de utilizadores, coisa que por si só aumenta ainda mais o risco de desinformação, mas também eleva a fasquia da responsabilidade quando se trata de criar projetos de qualidade.
A Pedipedia é editada por um grupo de profissionais reconhecidos pela sua excelência, congregados na ASAU – Associação de Apoio à Saúde, uma associação de direito privado sem fins lucrativos (ONGD), e resulta de uma parceria feliz com o Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa. Ou seja, nasce com uma chancela de inegável qualidade, mas também com a vocação de ser alimentada e complementada por outros profissionais de saúde de igual excelência que queiram dar o seu contributo científico.
Para começar já há centenas de autores envolvidos que estão a ser todos coordenados por especialistas de 33 áreas de Medicina, assessorados por cerca de 300 especialistas de referência nas suas áreas de atuação. Por tudo isto e porque a Pedipedia dá hoje o primeiro passo de um longo caminho, podemos começar a ensaiar em coro um grande ‘bye bye, Dr. Google!’