Cara Sra. Presidente,

A 5 de janeiro de 2023, a Sra. Presidente assumiu publicamente no Observador que “chegou realmente a altura de resolver o problema dos sem-abrigo”. Esta é uma histórica fragilidade social da freguesia, em paralelo com outros problemas estruturais profundos, como é o caso do consumo e tráfico de droga.

Entre os demais órgãos – Presidência da República, Governo, Câmara Municipal, Junta de Freguesia e Assembleia de Freguesia – parceiros sociais e a própria sociedade civil, todas e todos teremos o nosso papel a desempenhar para atingir este fim e agir no cumprimento da nossa Constituição.

Resulta daí a extrema importância do desafio assumido em 2018 pelo Sr. Presidente da República, em prol da proteção e representação de uma minoria social de extrema vulnerabilidade social, tantas vezes esquecida.

Nos últimos tempos viram-se, aliás, dois exemplos desse esquecimento por parte da Câmara Municipal de Lisboa (CML) e também da Junta de Freguesia de Arroios (JFA). Com efeito, desde fevereiro que se desconhece que alternativa encontraram estes dois órgãos para os 25 moradores de rua que pernoitavam no jardim António Feijó, após uma “requalificação” conjunta do jardim servir de pretexto para gradear, de forma hostil, o espaço onde estes dormiam.

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Durante os meses mais frios do ano, a caldeira dos balneários do Largo de Santa Bárbara esteve avariada, disponibilizando-se apenas água gelada. Este problema foi alvo de alertas dos utilizadores, das forças políticas locais, mas só foi resolvido após ter sido tornado público.

Estas duas situações são dois perfeitos exemplos de que à sua preocupação demonstrada em janeiro, não estão a corresponder ações políticas.

É assim por demais evidente que esta luta não é isenta de ideologia – é a densidade ideológica que nos leva, ou não, a executar de acordo com os nossos valores e princípios, e que nos distinguem de forma evidente.

As respostas sociais do governo, que têm surgido no âmbito da prevenção com propostas do Ministério da Habitação, e no âmbito da resolução do problema em concreto, com o desenvolvimento da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem Abrigo (ENIPSSA), pelo Ministério do Trabalho e da Solidaridade Social, prevêem uma atuação cruzada entre toda a administração pública e parceiros sociais, não desmerecendo, por isso, a importância da administração local na resolução deste problema.

Desse modo, e a mero título de exemplo, em setembro de 2022 foi feito um investimento de 9,5 milhões de euros para a criação de 120 habitações autónomas e 250 em habitação partilhada, e Lisboa foi um dos Municípios elegíveis para a atribuição deste apoio.

A Sra. Presidente refere, aliás, – e bem – um dos projetos que confirmam essa capacidade de intervenção local. No mandato anterior, a JFA e o Centro Social e Paroquial de São Jorge de Arroios promoveram, em parceria, a primeira habitação partilhada para quatro PSSS. Neste mandato, foi proposta a segunda república, para mais quatro PSSS.

Este trabalho é manifestamente mais eficaz com a proximidade das Freguesias e dos Municípios. E a CML tem adotado essa estratégia desde 2016, com a operacionalização do 1.º Programa Municipal para a Pessoa Sem Abrigo (PMPSA).

O plano atual, em vigor desde 2019, assumiu mais ambição nas respostas sociais para a integração e capacitação, como é exemplo a parceria estabelecida entre o município e várias entidades para o projeto “Housing First”.

Perante a inexistência — ainda — de meios suficientes para a reintegração total de todos os casos, no anterior mandato, e perante uma Pandemia que levou ao aumento exponencial de PSSA, foram abertos quatro centros de emergência social para acolhimento. Um destes centros foi inaugurado em 2021 e é na nossa freguesia, no Quartel de Santa Bárbara.

Estando por demais evidente que é possível atuar a nível local, resta-nos concretizar: por onde começamos?

Estando em ano de renovação do PMPSA, a JFA terá um papel determinante de auscultação da população, dos parceiros sociais e também das forças políticas para afirmar os interesses da freguesia junto do executivo camarário. É a altura de aplicar o conhecimento de quem está mais próximo.

Além disso, a nível da ideologia, o trabalho também começa pela definição de prioridades. O relatório e contas de 2022 indica-nos que o grau de execução da despesa de 2022 na divisão da ação social e saúde ficou pelos 51%.

Se é verdade que a CML não delegou esta matéria à JFA, também é verdade que existia disponibilidade orçamental para investir proativamente em ir mais além, tal como foi feito na área da saúde, que não é uma competência delegada.

Dado que as instalações do antigo Pólo da Junta de Freguesia de São Jorge de Arroios serão um gabinete de apoio médico com psicólogos, um gabinete de enfermagem, balcão do SNS 24 e gabinete de consultas médicas – porque não reservar parte dos serviços para garantir o acompanhamento psicológico e de saúde tão necessário às PSSA do território? Talvez seja um bom começo, em benefício de toda a freguesia.

Por fim, sendo este um trabalho de todos, no seio de uma democracia representativa, deverá o órgão deliberativo ir além do trabalho de apenas escrutinar a ação do executivo, mas antes participar ativamente na procura por propostas de solução.