1. Faltam quatro meses para a investigação ao Universo Espírito Santo comemorar o seu quinto aniversário. Repetindo para que não surjam equívocos: em agosto de 2019, fará cinco anos que o Ministério Público (MP) iniciou as investigações à gestão de Ricardo Salgado no chamado caso BES/GES. Daí a pergunta (retórica) dirigida ao principal responsável por esta situação: José Ranito, o procurador da República que coordena o inquérito desde o início.

É verdade que uma Justiça célere é um conceito algo utópico em Portugal quando falamos nos processos mais mediáticos da criminalidade económico-financeira — verificando-se exatamente o oposto quando analisamos a pequena criminalidade em que o Zé Ninguém é apanhado num crime de furto. O que está a acontecer com a investigação ao Universo Espírito Santo, contudo, já passou todas as marcas do bom senso e permite questionar se alguma vez será feita Justiça neste caso. Porquê? Por quatro razões:

  • Celeridade. Uma Justiça para ser verdadeiramente digna desse nome tem de ser feita em tempo útil. Não só por causa das prescrições (que têm de existir em nome da paz jurídica) mas devido essencialmente a uma necessidade de paz social. Se a comunidade não perceciona uma ação judicial eficiente, o sentimento de impunidade prevalece e a confiança dos cidadãos no Estado fica afetada. Ora, os muitos milhares de portugueses que foram afetados pelas insolvências do BES e das principais holdings do GES continuam à espera de uma resposta da Justiça.
  • Recursos. José Ranito tem ao seu dispor uma equipa com meios históricos. Nem Rosário Teixeira teve uma equipa tão completa, multidisciplinar e exclusiva para a Operação Marquês. Segundo o último comunicado da Procuradoria-Geral da República, são 31 elementos, entre os quais magistrados do MP (7), inspetores da Polícia Judiciária (10), agentes da PSP (6), técnicos do Banco de Portugal (3), agentes da Autoridade Tributária (3) e outros técnicos de outras entidades. Muitos deles estão em exclusividade neste processo desde o início. Mais: há também uma equipa especial de investigação constituída com as autoridades suíças e que tem permitido chegar de forma mais célere à prova documental que foi apreendida naquele país.
  • Confusão. Segundo a revista Sábado, da equipa original já saíram, pelo menos, cinco procuradores em discordância com o rumo que José Ranito tem dado à investigação. Mais grave: alguns saíram devido ao ambiente de trabalho criado pelo coordenador.
  • Indefinição. Ao fim de quase cinco anos, o MP não sabe quando vai terminar a investigação. Há um prazo de 8 de julho de 2019 para José Ranito terminar o seu trabalho mas é muito pouco provável que consiga cumprir esse prazo. Até porque ainda não está definido se o MP vai avançar com sete acusações — equivalentes aos sete inquéritos que foram abertos desde 2014 — ou se vai fazer uma super-mega-acusação.

2. Posso estar enganado mas aposto que José Ranito vai seguir, uma vez mais, o caminho dos mega-processos — o que equivale a ir a pé de Valença do Minho a Fátima só para colocar uma velinha a pedir a condenação dos arguidos. Se for o caso, mais do que uma super-mega-acusação que suplantará por larga margem as 4.083 páginas da acusação da Operação Marquês, estaremos perante um autêntico monstro jurídico que dará lugar a uma instrução criminal que levará anos a resolver e, eventualmente, dará lugar a um julgamento interminável.

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Basta recordar o julgamento do processo principal do caso BPN — o que estava precisamente relacionado com a alegada má gestão de Oliveira Costa por alegado desvio de mas de 9,7 mil milhões de euros do BPN através do Banco Insular. Em 2009, um ano após a nacionalização do BPN, o procurador Rosário Teixeira acusou o ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de Cavaco Silva e mais 22 arguidos. O julgamento começou em dezembro de 2010 e terminou em maio de 2017 com a condenação de Oliveira Costa a 14 anos de prisão. Foram ouvidas cerca de 150 testemunhas., sendo que só uma delas foi ouvida durante sete meses consecutivos.

Não é preciso ser bruxo para perceber que o caso BES/GES demorará muito mais tempo a ser julgado. Primeiro porque é um caso muito mais complexo. Enquanto que o caso BPN estávamos a falar em operações em Portugal e em Cabo Verde (onde o Banco Insular tinha sede) com recurso a muitas dezenas de sociedades offshore, o BES e o GES tinham sucursais e operações opacas em quatro continentes. Comparar o BPN com o BES é a mesma coisa que comparar uma loja de mercearia com uma multinacional com implantação global.

Daí a pergunta legítima: se o processo penal português ainda não conseguiu resolver o processo principal do caso BPN (nem nenhum dos processos secundários) como conseguirá resolver o caso BES/GES em tempo útil? Oliveira Costa foi condenado em 2017 com 81 anos e é muito provável que nem tão cedo o processo transite em julgado, visto que ainda não saiu da Relação de Lisboa.

3. Faz sentido questionar o excesso de formalismo da Justiça Penal e ponderar alterações legais que coloquem limites e reforcem os poderes dos tribunais para impedir estes abusos.

Mas esta é a lei e a Justiça que temos neste momento e é com ela que o MP tem de lidar. Produzir acusações monstruosas, como parece que o procurador José Ranito irá fazer, é incompatível com a realização da própria Justiça. Porquê? Porque o nosso sistema penal não está preparado para julgar acusações como aquela que está a ser idealizada no caso BES/GES — que já conta com 41 arguidos, 33 dos quais são pessoas individuais. Até tenho dúvidas que esteja preparado para a acusação da Operação Marquês.

É que além do excessivo formalismo processual penal que favorece as defesas, basta pensar que não existem tribunais de competência especializada em que os juízes tenham experiência em julgar este tipo de casos. Se algum dia, Ricardo Salgado for julgado num tribunal criminal pela sua gestão no BES e no GES, é altamente provável que o coletivo de juízes que o julgará tenha acabado de sair de um julgamento de homicídio, de violência doméstica ou de furto e nunca tenha analisado a contabilidade de um banco ou os circuitos opacos que caracterizam os casos de corrupção e de fraude bancária.

Numa Justiça Penal com as características da nossa, o MP tem de ser extremamente pragmático — como o Banco de Portugal (BdP) foi. É certo que um processo de contra-ordenação tem (e compreende-se que tenha) um grau de exigência muito menor do que um inquérito criminal. Mas certo é que o Departamento de Averiguação e Ação Sancionatória do BdP não complicou. Dividiu as responsabilidades em quatro processos e terminou a última acusação e condenação em julho de 2017. Agora, está tudo nos tribunais de recurso.

O principal problema é que o procurador José Ranito prefere complicar a ser pragmático. Prefere criar uma espécie de acusação perfeita, em vez de concluir as investigações com a prova que tem. Talvez seja a altura da procuradora-geral Lucília Gago e de Albano Morais Pinto, o diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, entrarem em campo e colocarem ordem na sua casa.

Enquanto isto, o dr. Ricardo Salgado continua a fazer a sua vida. Apesar de ostracizado socialmente em Portugal, Salgado declarou-se em situação de insuficiência económica e viaja alegremente para a Suíça e para o Canadá para visitar os seus filhos e netos, ao mesmo que prepara com grande afinco uma obra literária em que acertará contas com uma parte dos políticos que não o ajudaram quando ele mais precisava e deixará uma serie infinita de recados para que outra parte da classe política e judicial fique com medo de supostas revelações.

Por isso, insisto na pergunta: demora muito, dr. José Ranito?