1 Qual a razão que leva alguém a querer ser presidente de um clube de futebol? No caso de Luís Filipe Vieira, e na esmagadora maioria de outros casos, a resposta foi sempre óbvia: aproximar-se do poder político e financeiro e exponenciar a sua influência como empresário.

Se juntarmos a isso a subserviência que os sócios e adeptos gostam de ter face ao ‘seu’ presidente, a fidelidade canina de boa parte da imprensa desportiva, a quase ausência de transparência nas operações de dezenas de milhões de euros anuais nas transferências de jogadores e a falta de espírito crítico por parte dos poderes públicos na relação com o futebol — facilmente chegamos à conclusão de que a tentação é muito grande.

Foi por causa do Benfica (e ainda enquanto n.º 2 de Manuel Vilarinho) que Luís Filipe Vieira conseguiu sentar-se na mesa dos empresários relevantes. Antes do Benfica, Vieira não passava de um empresário de média dimensão da Grande Lisboa. Com o Benfica na lapela e o apoio financeiro de Ricardo Salgado no BES, passou a negociar a compra dos terrenos mais valiosos de Lisboa (os terrenos industriais da Matinha, na zona da Expo, com uma vista soberba para o rio Tejo) com António Mexia, então presidente da Galp Energia. Apesar de ter ficado em segundo lugar, ganhou o concurso a uma empresa espanhola muito mais conceituada e credível do que ele próprio na altura.

Pelo meio, Luís Filipe Vieira ainda fez com que Manuel Vilarinho apoiasse Durão Barroso como o candidato do Benfica nas legislativas de 2002 para contentamento de Pedro Santana Lopes, então recém-eleito presidente da Câmara de Lisboa que viria a propor mais tarde que a Catedral de Lisboa fosse para os terrenos que Vieira tinha comprado à Galp de Mexia de forma a viabilizar a reconversão do uso dos terrenos (de industrial para habitação e serviços. Mais tarde, Vieira vendeu o ativo ao BES.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

2 Esse negócio polémico, que chegou a estar sob investigação judicial, foi o princípio da caminhada de Luís Filipe Vieira como homem de poder. E é um bom exemplo de como política, futebol e construção se podem unir. Como se uniram com António Costa e Manuel Salgado quando estes passaram a mandar na Câmara de Lisboa e na área de Urbanismo.

No caso dos emails, um dos muitos casos em que o agora autosuspenso líder benfiquista está envolvido, o controlo sobre os políticos, os juízes, os polícias, os empresários ou os jornalistas que podiam ser convidados era feito diretamente pelo próprio próprio Vieira. E isso diz muito sobre a importância que sempre foi dada à construção de uma rede de influência no Estado e na sociedade em favor do Benfica mas obviamente também em favor pessoal do Luís Filipe Vieira.

É por isso que, quando nos recordamos de Luís Filipe Vieira rodeado de António Costa e de muitos outros políticos na bancada presidencial do Estádio da Luz, é nessa tal rede de influência que nos temos de concentrar. Não é o Benfica que os une. É o poder. A influência. A ganância de aparecer num espaço reservado aos mais influentes. E isso cria cumplicidades.

3 É certo que António Costa, como especialista de renome mundial na tática de ‘fugir com o rabo à seringa’, nunca admitirá — como nunca admitiu — que cometeu um erro ao apoiar formalmente Luís Filipe Vieira nas últimas eleições do Benfica. O mesmo se diga de Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, dos deputados Duarte Pacheco (PSD), Telmo Correia (CDS) ou de autarcas como Joaquim Santos (presidente da Câmara do Seixal em nome da CDU) ou de ex-ministros Rui Pereira — todos integraram a famosa Comissão de Honra.

Nenhum deles pode dizer, como Medina já tentou afirmar, que a detenção de Luís Filipe Vieira é uma grande surpresa. Lamento, mas não é. Não só Vieira já tinha sido acusado de um crime de recebimento indevido de vantagem enquanto presidente do Benfica, como os inúmeros casos que o envolvem e as buscas sucessivas ao Estádio da Luz já tinham sido tantas — que ninguém pode alegar ignorância. A não ser que queiram simplesmente tentar gozar com a Opinião Pública.

Para evitar futuras ignorâncias, é bom que toda a classe política perceba que o processo de higienização do mundo de futebol está em curso. Quem estiver atento, sabe perfeitamente que o Departamento Central de Investigação e Ação Penal e a Autoridade Tributária investigam desde 2015 praticamente todas as transferências relevantes de jogadores de futebol — um negócio que movimenta todos anos várias centenas de milhões de euros em Portugal sob a suspeita de evasão fiscal generalizada.

Basta ler esta notícia recente do JN, sobre o último relatório da AT sobre a Operação Fora de Jogo, para sabermos que há 129 arguidos “entre jogadores de futebol, agentes ou intermediários, advogados, dirigentes desportivos, sociedades desportivas e outras pessoas singulares e coletivas.”

4 Todo este contexto obriga a que, de uma vez por todas, a classe política coloque um cordão sanitário à base de betão ao mundo dos clubes de futebol para evitar promiscuidades e conflitos de interesses. Já poucos se lembram mas não há muito tempo, Valentim Loureiro (PSD) conseguiu a proeza de acumular os cargos de presidente da Liga de Clubes, com o da liderança da Câmara de Gondomar e o da liderança de uma empresa pública Metro do Porto.

Claro está que um dia, foi apanhado a prometer obras do Metro do Porto a um construtor civil que tinha ajudado o Boavista, foi detido e investigado. Não é preciso chegarmos a casos tão graves como o de Valentim Loureiro para percebermos que algo tem de ser feito.

Para começar, os titulares de órgãos de soberania não podem acumular funções com as de dirigentes de um clube, da Liga ou da Federação Portuguesa de Futebol (FPF). Por exemplo, a deputada Cláudia Santos (PS) não devia acumular funções com as de líder do Conselho de Disciplina da FPF.

Tal como Francisco Rodrigues Santos — que desistiu do cargo de membro da direção nacional de Frederico de Varandas para se candidatar à lideração do CDS/PP — nem sequer devia ter sido eleito para dirigente do Sporting quando já era dirigente partidário.

São dois exemplos, entre muitos outros.

5 Contudo, não é só a política que está aqui em causa. Também a Justiça não tem estado bem. Veja-se o caso como o poder político insiste em nomear advogados criminalistas para o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), quando os mesmos continuam no ativo e, inevitavelmente, vão estar em processos criminais com um procurador que vão ter de avaliar ou já avaliaram.

O PSD nomeou durante muitos anos o advogado Castanheira Neves — um dos advogados mais requisitados do país na área do direito penal, sendo o representante do empresário José António dos Santos no caso Vieira. Foi substituído por Rui Silva Leal, marido da atual porta-voz social-democrata para área da Justiça, que gosta de acusar em público o Ministério Público de realizar escutas telefónicas sem autorização judicial — mas sem apresentar provas.

No caso do PS, o problema coloca-se com Manuel Magalhães e Silva. Por exemplo, o ex-conselheiro do Presidente Jorge Sampaio é o advogado de Luís Filipe Vieira e recentemente teve de votar sobre a promoção do procurador Rosário Teixeira no âmbito de uma reunião do CSMP. Por muito sérias e corretas que sejam as pessoas em causa (e são), há um conflito de interesses óbvio.

O problema é precisamente esse em Portugal: em vez de olharmos sempre para a exceção em nome da seriedade dos envolvidos, devíamos olhar sempre para a regra e tentar cumpri-la.

6 Não é só por causa das operações dos últimos 15 dias que devemos enaltecer o trabalho do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), liderado pelo procurador-geral adjunto Albano Pinto. Há um trabalho de fundo que consiste numa política de continuidade face à estratégia seguida pelo procurador jubilado Amadeu Guerra e isso merece uma palavra de elogio.

Essa política de continuidade de Albano Pinto é a melhor forma de combater com eficácia a desconfiança que marcou o início do mandado da procuradora-geral Lucília Gago.