As grandes paixões começam agora. Ou já começaram na Páscoa, com as cerimónias pascais e a chocalhada pela vila. Não há ninguém que lá vá que fique indiferente.

Uns raios de sol, aquelas duas ruas “grandes” que estruturam a vila, a carreira de baixo e a de cima, o largo D. Pedro V, aquele serpentear de ruas até ao castelo, aquelas portas pintadas à cor de sangue-de-boi, a risca amarela ou a risca azul e o casario branco que entre pedra e parede emerge a cada rua, agora a ficar engalanada de flores, começam a ser verdadeiramente arrebatadores por esta altura do ano.

Há sensivelmente um ano atrás escrevia aqui, no Observador, Vou viver para o campo. E é nesta altura, nestas alturas, que as pessoas se rendem à vila. Daqui até ao Verão a vila está sempre a ganhar. Depois, bom, depois disso vem o inverno e as coisas não são tão românticas quanto agora. Casas frias, ruas inóspitas de pedra escorregadia, geadas todas as manhãs, nevoeiros intensos, e se não é por amor não será certamente por interesse. Nessa altura não se ouve ninguém dizer que se muda para o Alentejo.

Mas agora, nos tempos que correm, sentado num dos cafés da vila, começo a ouvir as conversas da época. “Aqui é que se vive bem”. “Eu até podia pensar em mudar para cá”. “Com o trabalho remoto isto é simples”. “A vida aqui é fantástica”. E é. O concelho detém um prémio de melhor qualidade de vida do país. A sua beleza natural, edificada, as suas casas e casinhas, a combinação que se faz de tudo, a inserção dos bairros mais novos nos mais antigos, o desenvolvimento das infraestruturas desportivas que se conseguiu, a abundância de água (em pleno Alentejo é desta vila que sai a famosa água Vitalis) e os jardins de flores e flores que tem levam a que, qualquer um que olhe a vila, fique verdadeiramente encantado.

O problema é que, como noutros lados do país, verifica-se a máxima “9 meses de inverno, 3 meses de inferno”. A Sintra do Alentejo já foi mais fresca de verão. O inverno é um inverno duro. Como dizia há um ano aqui no Observador, existem dois táxis, duas farmácias, duas papelarias, uma quantidade abundante de cafés, alguns restaurantes, umas infraestruturas desportivas, umas vistas soberbas sobre a serra de São Mamede, para quem está do lado Sul da Vila, e, feliz ou infelizmente, pouco mais.

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Nem todos se habituam ao passar vagaroso do tempo. Nem todos se habituam ao recolher cedo. Nem todos se habituam a ver as ruas desabitadas de inverno e de verão a partir das 23h. Ou aos fechos do parco comércio alimentar à hora do almoço. Nem todos se habituam à falta do bulício empresarial. Do movimento próprio de quem tem isto e aquilo para tratar. Nem todos se habituam às batidas do sino da igreja de hora a hora. E às meias horas. E sempre a noite toda. Nem todos se habituam a ter uma rede wireless mais lenta. Ou a quase não ter rede no lado norte da vila. Nem todos se habituam ao frio a sério. Nem todos se habituam à canícula veranil. Nem todos são feitos para aquele habitat.

É simpático ouvi-los dizer que “aqui vive-se bem”. E vive. Mas é preciso ter as condições para viver bem. Não é qualquer casa com paredes de pedra antigas e termicamente de baixíssima performance que convence quem quer que seja de inverno. Não é o marasmo que convence qualquer um de que o Alentejo vale a pena. Sim, vale a pena agora, na primavera e eventualmente no verão. Mas e depois?

Depois, uma visita no inverno retira a esperança. Uma visita no inverno desfaz a vontade de permanecer. A beleza da primavera e verão estão lá. Continuam ano inteiro. Nada foi alterado. Mas o frio, o nevoeiro, o vento ou a chuva fustigam de uma maneira agreste os visitantes esporádicos. É nessas alturas, ou para essas alturas, que se deve estar preparado para viver no Alentejo. Porque tem o melhor mas tem, também, o mais complexo, o mais difícil, o longínquo e que faz com que muitas vezes seja obrigatório ir procurar movimento a 100 quilómetros de distância, a Cáceres ou a Badajoz. Ou, mais perto mas menor, a Castelo Branco, já que Portalegre padece de um handicap talvez ainda maior. Adormeceu sobre si mesma ao longo dos anos. Revivê-la e torná-la no que foi não será simples.

Falta uma autoestrada para levar mais gente. O distrito de Portalegre nunca o conseguiu. Será porventura o único do país que não a tem. Retiraram-lhe o caminho de ferro. Faltam empresas, falta vontade e faltam estímulos para que se possa reviver e habitar este pseudo-interior. Se bem que Portugal, em boa verdade, não tenha grande interior. Tem é uma clivagem mental, ainda, entre o que é cidade e o que não é. Agora, se precisamos de apenas 250 quilómetros para viajar do ponto mais interior para a costa então não há grande interior. E o Alentejo não será, obviamente, grande interior.

Tenho por certo que muito do que se aprendeu com a pandemia deveria servir, agora, para saber como capitalizar estas zonas para a bondade da escolha de quem pretende mudar de vida. E, aí, nada se vê. Não será com ajuntamentos de carros antigos ou de motos ou de bicicletas ao fim de semana que se chamará gente para viver no Alto Alentejo. Em Castelo de Vide ou noutro local. É necessária uma integração com o lado espanhol mais intensa, é necessário trabalhar as comunicações e é necessário fazer emergir um trabalho estruturado de atração para a vila, para as vilas do Alentejo – e um trabalho que chame e traga empresas e negócio. Caso contrário, a desertificação tomará conta delas. E não serão os momentos de entusiasmo primaveril que farão rever o que seja em termos situacionais. Tudo continuará na mesma. E, de inverno, pior um pouco.