Convém começar por prevenir: não trato de exibir grandezas de alma que, de resto, não tenho. Estive ao lado de Francisco Rodrigues dos Santos desde o princípio e acabei por fazer parte da direcção dele. Tentarei dar uma explicação clara para o processo que tirou o CDS da Assembleia da República e mostrarei que, nesse processo, as culpas e responsabilidades não se dividem em partes iguais.

Quando, em Janeiro de 2020, se apresentou à presidência no congresso de Aveiro, Francisco Rodrigues dos Santos calculava que tinha à sua frente um mandato difícil. Todo o partido sabia. O CDS vinha de um mau resultado nas eleições europeias, outro péssimo nas legislativas, e havia uma ideia do peso das dívidas na tesouraria. Coisa diferente era calcular, àquela data, que os seus opositores nunca iriam reconhecer a presidência dele; e, pior ainda, não passou pela cabeça de ninguém que os anteriores dirigentes depressa começariam a manobrar uma campanha activa de destruição do CDS.

Quando se desce a níveis tão absurdos na vida de um partido com a importância que o CDS teve na história do país, são inúteis quaisquer reflexões amaciadas. Os pecados políticos não se apontam com brandura. O exame sério ao que aconteceu obriga-me a repartir ajuizadamente as responsabilidades.

Há momentos em que a direcção de Francisco Rodrigues dos Santos podia ter procedido de outra maneira. O esforço de oposição ao PS e à esquerda, que orientou o mandato desta direcção, visivelmente não chegou aos eleitores. Alguma parte se perdeu no caminho. Mas o contributo que uma certa afinação teria dado para evitar o fracasso é praticamente nulo. O que os anteriores dirigentes fizeram durante os últimos dois anos foi determinante no resultado que o CDS teve nestas eleições.

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Francisco Rodrigues dos Santos teve 15 dias de debates para dar a conhecer o partido, e depois outros 15 dias de passeatas na rua. Ninguém dá uma ideia de partido com um mês de campanha eleitoral. Muito menos depois de dois anos a ouvir os nomes mais conhecidos do partido sentados na televisão defendendo, de segunda a sexta-feira, a tese que eles próprios inventaram. Segundo eles, o CDS tinha-se tornado, primeiro, “transitório” (Mesquita Nunes viria “salvá-lo” quando quisesse); depois “irrelevante” e por fim “moribundo”. Os eleitores ouviram isto durante dois anos. Não se esperava que mudassem de ideias no último mês.

A facção que perdeu o congresso de Aveiro decidiu assim, e não foi contra esta direcção que eles manobraram durante dois anos. É preciso também fazer esta distinção. Ouvimos muitas vezes dizer que havia “guerras internas”, dando a entender que o problema do CDS era uma questão menor de intrigas e mexericos, uma querela mantida de parte a parte, sem grande substância política, e que aquelas figuras ilustres estariam “contra esta direcção”. Não é verdade. Aquilo que os anteriores dirigentes fizeram não foi contra Francisco Rodrigues dos Santos, foi contra o partido, e o que destruíram não foi esta direcção, foi o partido. Foi o CDS que eles agrediram e destruíram deliberadamente.

Basta olhar para trás e ver o que foram as declarações públicas, o que disseram nas entrevistas, a “clareza que defenderam” contra o acordo dos Açores (que era a única maneira de varrer o PS); as colunas que escreveram nos jornais, o que foi o decorrer deste mandato que os anteriores dirigentes do CDS exerceram na televisão. Um mandato exercido inorganicamente. Não é preciso ter um partido para se fazer política, foi o que eles provaram; e não é preciso ter um mandato para se destruir um partido, foi o que eles fizeram ao CDS. E o CDS não teve, da parte de nenhum outro partido, uma oposição tão forte nem tão eficaz como a dos seus próprios deputados e comentadores.

O CDS é a direita; defende as liberdades individuais e as respectivas responsabilidades; e, portanto, as responsabilidades têm de ser apontadas. Aos verdadeiros responsáveis. Quem são eles? Os anteriores dirigentes, segundas figuras de Assunção Cristas, com programas ou presença regular na televisão; mais os que escrevem no Expresso e no Público; e o grupo parlamentar (sobretudo, o grupo parlamentar); e aqueles que a facção foi apresentando como “salvadores”, e cujos laços eram apenas de ressentimento contra Francisco Rodrigues dos Santos. Nada mais unia personagens como João Almeida, Adolfo Mesquita Nunes, Cecília Meireles (a quem nunca antes haviam reconhecido a importância que tinha; e aceitou que a cobrissem de ridículo, no dia da conveniência deles, quando a decretaram “melhor deputada de sempre”); e também Nuno Melo, e o infeliz Gonçalves Pereira. Líderes admiráveis por conseguirem descer o CDS de 18 para 5 deputados, e por abandonarem os eleitores da direita, e por deixarem entrar e crescer na Assembleia da República dois partidos novos. Estes responsáveis têm de responder por aquilo que fizeram, dentro e fora do partido. É um assunto que ultrapassou estrepitosamente as fronteiras internas do CDS.

Pela minha parte, não os deixarei contar desta história uma versão qualquer, da qual sairiam limpinhos como o nariz do menino Jesus. Continuarei a explicar as coisas tal como as vejo, e como aconteceram, e não vou facilitar a vida a estes irresponsáveis. Até porque facilitar-lhes a vida seria contribuir para continuar a agredir o partido, da mesma maneira que eles o agrediram. Seria agredir o partido e agredir o país.

Por fim, estes senhores foram instruídos e promovidos pelo dr. Paulo Portas, e nunca tiveram sem ele qualquer existência política. Nada do que eles dizem ou disseram tem qualquer interesse, a não ser na medida em que traduzam o pensamento do dr. Paulo Portas. Subiram através do partido, usaram o CDS como um escadote e, chegados lá acima, deram-lhe um pontapé. Continuam a agitar-se nas televisões contra nós, e não podemos perder de vista o seguinte: para fazer um acordo, é preciso pelo menos duas partes; mas para haver discórdia basta uma das partes. Foi o que aconteceu.