Nunca fui do CDS, mas cresci com o partido sempre por perto.

Nos últimos anos, como é sabido, colaborei com a direcção de Assunção Cristas e até concorri como independente nas listas do partido às autárquicas e às legislativas. Fi-lo a convite da então líder do CDS a quem reconheci e reconheço o entusiasmo, o talento e a inteligência que me levaram a querer trilhar um caminho com ela.

Caminho feito, voltei à minha condição de observadora próxima de um partido em que votei às vezes, mas não sempre, nem, talvez, a maioria das vezes.

Quando digo que cresci com o partido por perto, é literalmente isso. Lembro-me de ser criança e brincar no corredor lá de casa com o Adelino Amaro da Costa, que, antes da conversa política com o progenitor, ao jantar, desafiava as crianças da casa com brincadeiras e treinava placagens com o meu irmão mais velho que dava os primeiros passos no râguebi.

Conheço o CDS, portanto, desde a nascença. Mais tarde, quando me iniciei no jornalismo, as minhas memórias de infância transformaram-se em objecto de trabalho. Acompanhei inúmeros congressos, reuniões e crises do CDS em que se confrontavam correntes diferentes que ora ganhavam, ora perdiam, como é próprio num partido plural, democrático e suficientemente abrangente para ter sido um partido fundador da democracia e se ter mantido vivo até hoje. Só quatro partidos da nossa democracia se podem orgulhar desse feito.

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O CDS tem várias correntes desde a sua fundação. Ou alguém acha que Freitas do Amaral e Amaro da Costa partilhavam da mesma corrente? O meu pai, Nuno Abecasis, que chegou ao partido meses depois da fundação, vinha do PDC (Partido Democrata Cristão), que por algum motivo não abarcava todo o leque ideológico em que as pessoas à direita do PSD se reviam.

No CDS conviveram sempre tendências tão diferentes como as representadas por Lucas Pires, Vítor Sá Machado, Luís Barbosa, Basílio Horta, Nuno Abecasis, Maria José Nogueira Pinto, Adriano Moreira, Manuel Monteiro, Paulo Portas e tantos outros. As gerações mais novas foram sempre capazes de actualizar a matriz do CDS, mantendo a origem, mas tornando o partido contemporâneo. Manuel Monteiro até lhe mudou o nome por alguns anos. Facto que nos dias de hoje seria, provavelmente, visto como o pior dos sacrilégios. Mas não foi e o partido reinventou-se e passados alguns anos voltou a achar moderno chamar-se CDS.

Os congressos do partido sempre foram animados, jornalisticamente falando. Longas horas de discussão e debate aceso. Até me lembro de um célebre congresso no Pavilhão dos Desportos em que um congressista teve que ser arrebatado do palco às quatro da manhã e trouxe consigo o púlpito de arrasto. E também me lembro quando José Ribeiro e Castro, contra ventos e marés, deu a volta a um congresso e se sagrou líder com a força e a convicção das suas ideias.

Sempre houve discussões quentes. Zangas, até. Mas o debate foi sempre em defesa de ideias e de caminhos e não de ofensas pessoais ou de tentativas de colar ao adversário as piores intenções e os piores sentimentos. Nunca se usou como argumento indicar a porta da rua a quem não estava de acordo. Nunca se quis atirar borda fora os que defendiam outras correntes. Isso era o que acontecia nos partidos da extrema-esquerda. Não era aceitável num partido democrático e europeu como sempre foi o CDS.

Esta foi sempre a riqueza do CDS que conheço desde pequena: a melhor síntese entre conservadores, democratas-cristãos, cristãos sociais e liberais.

Ao longo do tempo, uns foram para outras paragens políticas, outros saíram e entraram, outros ficaram sempre lá. Como deve acontecer numa família que cresce, se multiplica e permanece viva.

Nos últimos tempos, o que vejo no CDS faz-me lembrar aquelas famílias que entram em partilhas depois da morte dos antepassados. Têm um grande património, mas precisa de ser cuidado para manter o seu valor e interesse. Os herdeiros transformam as diferenças em guerras e invejas e entram na lógica: ou é para mim, ou não é de ninguém.

Basta andar pelas nossas cidades, vilas e aldeias para perceber o que acontece a esse património. Abandonado, vai-se destruindo aos poucos sem honra nem glória.

Tenho pena que o partido que conheço desde criança definhe assim, com discussões de vão de escada e faca na liga. Sim, falo do momento actual. Nenhuma das partes em contenda está isenta de culpas no triste espectáculo a que sujeitaram o partido nos últimos dias. Mas não posso deixar de dizer que são particularmente inadmissíveis os ataques pessoais e de carácter que a actual direcção do partido e os seus destacados apoiantes fizeram a quem democraticamente os desafiou. O argumento do ”vai para a rua malandro” é indigno de um partido fundador da democracia. A direcção do partido e os seus apoiantes têm ainda mais responsabilidades do que todos os outros na preservação da dignidade de uma instituição como é o CDS. Se não o fazem por si, façam-no por respeito ao seu passado.

Penso no meu pai e em tantos outros, entre os quais o Nuno Moreira que nos deixou há tão pouco tempo, que deram a vida e emprestaram o seu talento para construir o património que é o CDS. Nunca achei que o CDS fizesse tanta falta ao país como neste momento. O partido que se tornou conhecido por ser um partido de quadros não deve acabar sem honra nem glória. Esse não é um caminho inevitável.