Entre passar quinze minutos sozinho, sem fazer nada, e apanhar um choque eléctrico, qual a sua escolha? Investigadores da Universidade de Virgínia (EUA) fizeram a experiência, e descobriram que dois terços dos homens e um quarto das mulheres acabaram por preferir o choque eléctrico. A imprensa, como lhe competia, deu à história um ângulo devidamente apocalíptico: já nem 15 minutos aguentamos sozinhos, especialmente os homens. Como em tudo o que hoje passa por estudos, a interpretação não é clara. Os voluntários já haviam provado o choque eléctrico, e sabiam certamente que, embora desagradável, não chegava chamuscar. Por outro lado, não se lhes pediu apenas que ficassem sozinhos, mas também que não fizessem nada. Não sabemos assim ao certo o que verdadeiramente não suportaram: a solidão, ou o estado comatoso?
O objectivo dos cientistas era libertar as suas cobaias do frenesim do quotidiano e dar-lhes um quarto de hora de “vida interior”, só pensamento e imaginação. Em vez de aproveitaram a oportunidade para imitar o “Pensador” de Rodin, as cobaias limitaram-se a confirmar a suspeita de que a humanidade é hoje uma turma de garotos hiperactivos, incapazes de contenção. E é um facto: vivemos “em linha”, “em rede”, sempre acompanhados, sempre estimulados. Os telemóveis, tablets e computadores permitem-nos a todo o momento ver o que outros disseram, mostrar aos outros o que nos passou pela cabeça, pela vista, ou pela goela. Já não conseguimos ver sem fotografar ou filmar. Vivemos para transmitir.
É muito provável que, a este respeito, as portas da nova tecnologia abram para o passado, e não para o futuro. Somos animais sociais. É assim que nos reproduzimos, é assim que aprendemos, é assim que nos protegemos. A solidão olímpica a que os investigadores da Universidade de Virginia quiseram sujeitar as suas cobaias humanas não é um estado natural, mas uma construção cultural, ou mais exactamente, uma disciplina. Basta pensar em quão recente é a noção de privacidade – outra coisa a que parece estarmos em vias de renunciar na era das redes sociais. Ler e escrever, que hoje praticamos sós ou em silêncio, foram durante muito tempo trabalho de equipa: os autores da Antiguidade não escreviam, mas ditavam; a leitura fazia-se em voz alta e em grupo, mesmo entre quem sabia ler (Santo Ambrósio, no século V, espantou os seus contemporâneos com o estranhíssimo costume de ler em silêncio, sozinho na sua cela, alheado de tudo o mais).
Não foi por acaso que muitos das atitudes e hábitos que hoje associamos à “vida interior” começaram nas ordens religiosas contemplativas. Para o monaquismo mais rigoroso, a “solidão” e a “quietude”, ao limitarem as arrelias e distrações mundanas, facilitavam o acesso à verdade, isto é, a Deus. Noutras épocas, a concentração proporcionada pelo isolamento serviu para explorar os princípios da razão ou as profundidades do inconsciente. Para lá das ocupações e interacções sociais, estava um mundo mais fundamental a que acedíamos pela meditação e pelo desprendimento.
E talvez seja essa uma das razões da indisponibilidade actual para optar pela solidão, mesmo que só por um quarto de hora. Deixámos, enquanto cultura, de acreditar em transcendências ou imanências: Deus, a razão humana, até o inconsciente com que em tempos fez negócio o Dr. Freud. Temos horror à solidão, porque o que para outros foi possibilidade de exercício espiritual, significa para nós pouco mais do que abandono ou infelicidade. Quando estamos sozinhos, estamos mesmo sozinhos. Tudo está lá fora, na rede, em circulação.