Vivemos numa época em que muita coisa está trocada. Os crentes são hoje geralmente delicados e tolerantes. Parecem visitas numa casa que não é deles. Para ver soberba e intolerância, é preciso ir para junto dos descrentes. Aí, há muita gente que se porta como se fosse dona de tudo. É aí que estão hoje os que não compreendem nem estão dispostos a aceitar nada. Percebe-se porquê. Para os crentes, a providência divina é um mistério: as coisas nem sempre têm de acontecer conforme esperam. O tipo de descrente de que falo, pelo contrário, julga que sabe o sentido da história: não está preparado para surpresas. Foi por isso que a JMJ o indignou tanto: nada, para ele, faz sentido.
Não, não foi a colaboração do Estado num evento da Igreja Católica que escandalizou os acólitos da descrença arrogante. É verdade que questionaram essa colaboração, e até se puseram, muito neo-liberalmente, a discutir orçamentos. Mas o problema não foi esse. O problema foi que a multidão era grande, e que a gente era muito nova. Os descrentes não contavam com isso. Desde pequenos, ensinaram-lhes que o cristianismo era um resquício da Idade Média, prestes a acabar. Logo, nenhum evento cristão deveria atrair mais do que umas poucas de velhas camponesas de regiões remotas. Mas eis que centenas de milhares de jovens, com um ar muito contemporâneo, ocupam o centro de Lisboa para ouvir missa e ver o Papa. Não é possível. Não vem no guião. Não pode estar a acontecer.
Pobres descrentes arrogantes. De facto, são eles o resquício de um tempo velho que talvez esteja a acabar. Esse tempo era o da superstição do progresso. Os seus profetas, no século XIX, acreditaram que a ciência moderna ia substituir as religiões tradicionais. O que fizeram foi atribuir às teorias e hipóteses científicas a mesma certeza dogmática das antigas revelações divinas. Não deram origem a boa ciência, mas inspiraram ideologias pretensamente “científicas”, e que em nome da “ciência” reprimiram, prenderam e massacraram. A intolerância ideológica do século XX, com os seus meios industriais de morte, foi mais sanguinária do que qualquer intolerância religiosa do passado.
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