Se Emmanuel Macron, Presidente de França, tivesse de escolher entre os “coletes amarelos” e a oposição russa, certamente escolheria a segunda, mas o seu homólogo russo, Vladimir Putin, acha que nenhuma oposição deve existir, a não ser aquela por ele criada, que serve apenas para mostrar que na Rússia ainda existe democracia.

Ao contrário de alguns “coletes amarelos”, que utilizaram as manifestações de protesto contra o Governo francês para partir montras, pilhar lojas, restaurantes e cafés, a oposição russa não partiu sequer um vidro durante as manifestações de 27 de Julho. O único caso conhecido, anunciado pela polícia russa, foi o de um caixote do lixo atirado contra os “cosmonautas”, como é conhecida a polícia de choque russa devido ao seu sofisticado equipamento. Se assistimos a cenas de violência, elas foram provocadas pelos agentes da polícia contra os manifestantes.

Além disso, os protestos em França realizaram-se em numerosas cidades e com a participação de muitas dezenas de milhares de participantes, enquanto que, na Rússia, elas limitam-se a duas grandes cidades: Moscovo e São Petersburgo e o número de participantes é muito menor. As últimas manifestações reuniram em Moscovo entre 10 a 15 mil pessoas, a polícia indica números ainda mais baixos.

O Kremlin apresenta a oposição extra-parlamentar como pequenos grupos marginais financiados a partir do estrangeiro e sem quaisquer raízes no “solo russo”. Se assim fosse, porque é que Vladimir Putin e a sua corte enche as ruas do centro da capital russa de milhares de “cosmonautas” armados até aos dentes e detém cerca de 1500 manifestantes? Porque impede que cerca de 50 representantes da oposição participem nas eleições dos deputados da Assembleia Municipal de Moscovo, órgão que pouco peso tem na vida política do país?

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As autoridades russas justificam as suas proibições com o facto de a oposição organizar “manifestações não autorizadas”, mas esta responde que não necessita de autorização para realizar um dos direitos do cidadão previstos na Constituição da Rússia. Segundo o artigo 31 da lei suprema russa, “Os cidadãos da Federação da Rússia têm o direito de se reunir pacificamente, sem armas, realizar reuniões, comícios e manifestações, cortejos e piquetes”. Alguém viu manifestantes armados ou alguma tentativa de ocupar algum edifício administrativo?

A polícia e os tribunais russos viram o que ninguém viu e vários manifestantes e candidatos a deputados, que foram detidos no dia 23 Julho, foram acusados e serão julgados por “organização de desordens em massa”, o que significa que poderão ser condenados a pesadas penas de prisão efectiva.

No dia 3 de Agosto, a oposição convidou os moscovitas para “um passeio de protesto” com vista a exigir a participação dos seus candidatos nas eleições municipais. As autoridades da capital russa organizaram apressadamente um concerto “Espetada ao vivo” no Parque Gorki, tendo anunciado não só a distribuição de espetadas, mas também a participação de conhecidos grupos musicais, alguns dos quais se recusaram a actuar porque ninguém lhes perguntou se queriam ou não participar.

Porém,  nem todos os moscovitas optaram pelas espetadas e rock e a polícia voltou a deter muitas centenas de pessoas, independentemente de participarem ou não no “passeio de protesto”.  Qualquer peão podia ser detido se os agentes considerassem que ele estava a participar em mais uma “manifestação não autorizada”. Jovens com barba foram um dos alvos principais da polícia.  Ao mesmo tempo, uma mensagem sonora apelava  a que os manifestantes “tratassem bem” a polícia porque “alguns podem ser vossos filhos”. Como a maioria dos manifestantes são jovens, alguns dos quais nasceram quando o país já era dirigido por Putin, é difícil que os seus filhos já estejam nas fileiras da Guarda Republicana ou da polícia de choque “OMON”.

O Kremlin pode não estar ainda em pânico, mas tem medo de qualquer força que não esteja sob o seu controlo. Por isso, a fim de quebrar a moral dos opositores, as autoridades russas anunciaram, quando decorria a manifestação de 3 de Agosto, que o Fundo de Combate à Corrupção, dirigido por Alexei Navalni,líder da oposição que se encontra na prisão com” sintomas de alergia”, de “branqueamento de capitais”, no valor de mil milhões de rublos.

Vladimir Putin, que governa a Rússia há 19 anos e nem sequer conseguiu ultrapassar Portugal em 15 anos, como tinha prometido em 1999,  receia que qualquer manifestação se pode transformar numa “revolução de veludo” contra ele e, por isso, deixou de “brincar à democracia”. Apenas um passo separa a autocracia da tirania.