Os Aliados queriam deixar uma mensagem forte de que não se vão cansar de apoiar a Ucrânia e que ela tem um futuro euro-atlântico. Acabaram por vir ao de cima tensões de mais de 500 dias duma guerra com um nível de intensidade que não víamos, na Europa, desde 1945. A NATO também deu mais um passo no abandono da postura complacente do pós-Guerra Fria. Definiu novas metas e instrumentos para reforçar as suas capacidades militares e o seu nível de prontidão na defesa territorial e na resposta a crises. O grande teste a este respeito – nomeadamente para Portugal – estará na implementação. Por fim, e em termos geoestratégicos, acumularam-se as perdas da Rússia.

Pelo tempo que for preciso?

Biden o disse a respeito do apoio à Ucrânia nesta guerra. E a NATO tem créditos em termos de resiliência. Criada, em 1949, por 12 Estados fundadores, entre os quais Portugal, já é mais duradoira aliança multilateral da história. Nunca tantos países se mantiveram solidários num compromisso de defesa mútua durante tanto tempo. Outro sinal do seu sucesso é que vai nos 31 Estados Membros, 32 quando a Suécia aderir. Fundada para defender a Europa Ocidental, isso passava, segundo o seu primeiro Secretário-Geral, por: manter os russos fora, os americanos dentro, os alemães sob controlo. Uma Rússia violentamente revisionista deu renovada importância aos dois primeiros objetivos. O Kremlin pensou que a invasão em grande escala da Ucrânia, em fevereiro de 2022, iria ser uma demonstração da sua força, e da impotência e divisão da NATO. O resultado, até ver, tem sido o oposto. Mas nesta Cimeira algumas tensões e divisões vieram ao de cima. Apesar de tudo não quanto ao essencial: a necessidade de continuar a apoiar a resistência ucraniana e combater a agressão russa.

Uma fase crítica da guerra, militar e estrategicamente

Ao fim de mais 500 dias de guerra, este verão e outono serão um novo teste decisivo à capacidade de resistência da Ucrânia, da Rússia e dos respetivos aliados. A ofensiva ucraniana ainda não alcançou resultados significativos. Não é de estranhar. Como tenho repetido é a operação militar mais ambiciosa e difícil das últimas décadas. Sobretudo, porque a Ucrânia não tem meios aéreos adequados, e está a levar a cabo uma ofensiva contra linhas defensivas muito densas e difíceis de contornar. No entanto, se a Ucrânia não conseguir avanços importantes até ao final do outono, isso dificilmente deixará de ter consequências na gestão política da guerra.

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Sabendo isso Zelensky procurou uma vitória diplomática impossível. Acabou frustrado, qualificando a ausência de um convite imediato para a adesão à NATO como “um absurdo”. Depois teve de recuar para evitar mais danos na indispensável perceção de coesão entre a Ucrânia e os seus Aliados Ocidentais. Também pediu, novamente, mais armas de maior alcance. Foi a deixa para o Ministro da Defesa britânico reagir com impaciência. Talvez desapontado no seu desejo legítimo de ser Secretário Geral da NATO, Ben Wallace afirmou que os aliados “não são a Amazon”, não basta encomendar armas. Neste campo Zelensky parece ter, apesar de tudo, conseguido arrancar mais meios. Se os Aliados querem mais avanços ucranianos devem acabar com linhas vermelhas artificiais.

Balanço geoestratégico

Muito resta incerto numa guerra em curso. Um dado fundamental é que esta pressão de Kiev obrigou os EUA e outros Aliados, a deixarem claro que não mudam um ponto central da sua estratégia: a ajuda à Ucrânia tem um limite, não entrar num conflito direto com a Rússia que poderia escalar para uma Terceira Guerra Mundial nuclear. É verdade que a garantia de segurança do artigo 5 do Tratado de Washington, que rege a NATO, não é automática, nem leva automaticamente à guerra. Mas muitos Aliados recearam que ela não poderia manter toda a sua preciosa robustez se fosse de alguma forma atenuada ou condicionada para acomodar a adesão da Ucrânia à NATO sem isso precipitar uma guerra com a Rússia. Nada disto espanta historiadores que conhecem múltiplos exemplos de tensões deste tipo entre aliados. Mas é verdade que estas divisões públicas podem encorajar Putin a pensar que são os primeiros sinais da divisão por que espera desde o início da invasão. E pode ser que se a ofensiva ucraniana não obtiver grandes resultados, surja a tentação de procurar culpados, gerando novas divisões. Em todo o caso, e até ao desfecho das eleições norte-americanas, em novembro de 2024, não será provável que Putin abandone uma postura de expetativa. Sabe que delas poderá resultar a eleição de Trump, ou de outro republicano cético quanto ao apoio a Kiev.

O que é claro é que a Rússia acumulou com esta Cimeira, mais uma derrota estratégica: a adesão da Suécia à NATO. O único ganho geoestratégico russo como resultado da invasão de 2022 foi a ponte terrestre para a Crimeia, que as tropas russas estão agora a defender a todo o custo. A adesão da Suécia à NATO – confiando que desta vez a Turquia vota a sua ratificação, em troca de F16 norte-americanos – significa, em contrapartida, que o Mar Báltico passa a ser, quase totalmente, um lago da NATO. Embora a Suécia já tivesse uma forte parceria com a Aliança, a sua neutralidade impunha alguns limites. E embora a Turquia seja um aliado problemático no seio NATO, também fica claro que não tem interesse em esticar demasiado a corda só para agradar a Moscovo. Aliás, desde o início do conflito Ancara deixou claro que recusaria a passagem de navios de guerra russos para reforçar a frota do Mar Negro, cujo acesso controla. Aos 69 anos dificilmente Erdogan mudará de personalidade ou de estilo de fazer política. São expectáveis novos sinais contraditórios da Turquia e a procura de mais ganhos pragmáticos. Porém, e embora o líder turco seja mais um tático do que um estratega, deve perceber que ter uma Rússia vencedora e ameaçadora na sua vizinhança também não lhe convém. Séculos de história mostram que quando é assim a Turquia acaba ameaçada pelo expansionismo russo.

O Mar Báltico e o Mar Negro são os dois mares “quentes” – utilizáveis, sem limitações, todo o ano – a que a Rússia europeia tem acesso. Maximizar o acesso e peso nesses dois mares tem sido uma prioridade estratégica russa desde o tempo do czar Pedro o Grande. A posição da Rússia neles ficou mais frágil com esta invasão. Já a China não perdeu com esta guerra. Embora o reforço das capacidades militares e da coesão do Ocidente lhe coloque problemas, conta com uma Rússia mais dependente. E também não é clara a utilidade e relevância da NATO no quadro de uma China mais assertiva como potência global, se a Aliança estiver fixada num conflito no Leste da Europa. Esta é uma grande questão geoestratégica deixada em aberto por esta Cimeira, com a NATO a continuar a referir-se à China, de forma ambígua, como um rival e um possível parceiro.